A luta contra o pecado é algo presente na vida de todos os cristãos. Qual deve ser nossa atitude nesse conflito interior?
Tenho um amigo que é pastor, preletor e autor de livros sobre vida cristã e família. Em uma de nossas conversas ele comentou: “Eu às vezes tenho vontade de dizer para as pessoas que aconselho: ‘Sabe que o que você está fazendo é pecado? Então é só parar…’”. Ele mesmo confessa rindo que não é tão simples assim. Na verdade, existem sim algumas atividades que, uma vez entendendo que é pecado, simplesmente abandonamos. No entanto, os pecados mais arraigados, aqueles com os quais lutamos há mais tempo são mais complexos, exigem um processo de lidar com convicções e mesmo dependências emocionais. Nesses casos precisamos entender em que esse pecado está nos satisfazendo, para então podermos abandoná-lo.
Essa piada do meu amigo reflete o que vários líderes e mesmo igrejas praticam. Tendo vencido alguns pecados em sua vida, passam a afirmar que abandonar uma prática de pecado é apenas uma questão de força de vontade. Muito embora força de vontade esteja incluída, o processo de ser transformado pelo Espírito Santo de Deus é bem mais complexo. Há por exemplo uma confusão entre natureza de pecado e atos de pecado. É comum chamarmos a ambas de pecado, e corretamente. No entanto, creio que uma distinção pode nos ajudar a compreender tanto nossa luta como a obra de Deus em nós.
Em primeiro lugar, nascemos em pecado. A realidade do pecado original, apesar de contestada por alguns, me parece muito solidamente ensinada pelas Escrituras. Nós herdamos de Adão e Eva uma culpa, uma “morte” que nos acompanha. Paulo em Romanos 5.12 descreve nossa morte herdada: “Portanto, da mesma forma que o pecado entrou no mundo por um homem, e pelo pecado entrou a morte, assim também a morte veio a todos os homens, porque todos pecaram”. Morte significa uma desconexão de Deus, que é a própria vida (João 14.6). Dessa forma, o alerta de Deus quanto às consequências da desobediência foi real! Adão e Eva morreram e toda a sua descendência também.
Para piorar, não herdamos apenas uma culpa herdada, herdamos também a mesma corrupção que os tornou culpados. Repare que o final do versículo acima afirma que “todos pecaram”. Paulo reafirma em Romanos 3.22-23: “Não há distinção, pois todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus”. Ou seja, tanto por herança como por natureza, somos separados de Deus. Por isso, nossos melhores atos de justiça, ainda que ainda retenham vestígios da imagem de Deus, são para ele como panos imundos (Isaías 64.6). A essa natureza caída podemos chamar de Pecado (letra maiúscula e singular).
É devido a essa natureza que realizamos atos de pecado, ou pecados (letra minúscula e no plural). Não estou tentando diminuir nossa culpa. Pelo contrário, quero destacar como nosso problema é muito mais sério do que simplesmente nossos atos de pecado. O problema é que devido à nossa natureza (culpa e corrupção) já nascemos condenados, já nascemos precisando de um Salvador (João 3.18). Assim, não somos pecadores porque pecamos, mas pecamos porque somos pecadores. Nosso problema é de natureza e não apenas de comportamento. Por isso, estratégias simplistas e comportamentais têm muito pouco resultado duradouro.
Nosso problema é de natureza e não apenas de comportamento. Por isso, estratégias simplistas e comportamentais têm muito pouco resultado duradouro.
Tome por exemplo a ansiedade. Todos sentimos algum nível de ansiedade. Nós nos preocupamos com coisas antes da hora e até mesmo sofremos devido a cenários que nem sequer aconteceram. Conhecemos as várias instruções de Jesus para não andarmos ansiosos. Se alguém confia plenamente no Senhor, ele ou ela não terá medo ou ansiedade, certo? Sim, mas quem aqui pode afirmar que confia no Senhor de tal maneira que nunca é desafiado por períodos de ansiedade ou medo? Ansiedade é um reflexo natural de uma natureza de Pecado. Ou seja, de nossa natureza rebelde e de não confiar em Deus.
Sentir ansiedade não é um ato de pecado que escolho realizar e, portanto, posso parar quando quiser. Isso não significa que não seja uma expressão de nossa natureza pecaminosa e, portanto, deve ser enfrentado. Peco (ato de pecado) quando cedo à tentação de confiar mais em mim mesmo, ou em alguma estratégia humana, do que em Deus para resolver meus desafios. Peco (uma vez mais, ato de pecado) quando me entrego a uma disposição mental em que permito que minha inclinação para a ansiedade (natureza de pecado) domine minha forma de pensar e enxergar a vida. Essa disposição mental me levará a cometer vários atos de pecado.
O que eu e você precisamos é uma transformação de dentro para fora, e é justamente a isso que o Espírito nos convida.
O que eu e você precisamos é uma transformação de dentro para fora, e é justamente a isso que o Espírito nos convida. Somos convidados a permanecer em Cristo, conhecendo a ele, aprendendo a confiar nele. Dessa forma, vamos pouco a pouco nos despindo do velho homem e nos revestindo do novo homem em Cristo. Minha oração por mim mesmo e por você é que, ao invés de apenas mudar um comportamento pecaminoso (esforço válido mas de pouca eficácia), busquemos uma transformação de coração, confrontando nossa natureza pecaminosa. Assim, poderemos afirmar como Paulo: “Já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. A vida que agora vivo no corpo, vivo-a pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim” (Gálatas 2.20).
Autor
-
Daniel Lima (D.Min., Fuller Theological Seminary) serviu como pastor em igrejas locais por mais de 25 anos. Também formado em psicologia com mestrado em educação cristã, Daniel foi diretor acadêmico do Seminário Bíblico Palavra da Vida (SBPV) por cinco anos. É autor, preletor e tem exercido um ministério na formação e mentoreamento de pastores. Casado com Ana Paula há mais de 30 anos, tem quatro filhos, dois netos e vive no Rio Grande do Sul desde 1995. Ele estará presente no 26º Congresso Internacional Sobre a Palavra Profética, organizado pela Chamada.