Existem pessoas que não podem ser discípulos de Jesus? O que a Bíblia nos diz a respeito e como isso influencia nossas vidas?
Contam os historiadores que no momento do naufrágio do navio Titanic, só havia botes e coletes salva vidas para a primeira e a segunda classes. Ou seja, aqueles que pagaram mais caro por suas passagens tinham chance de salvação; os demais tinham que “se salvar” como pudessem. O resultado é que a maioria dos mortos foram da terceira classe. Poucas coisas são mais trágicas do que pessoas que entendem que estão em perigo, mas ouvem que estão impedidos de serem salvos, por qualquer que seja o motivo.
Na sociedade ocidental, mesmo aquele que não tenha qualquer instrução bíblica associa o nome de Jesus a amor e acolhimento. Na verdade, aqui reside um dos grandes enganos de nossos dias, pois pessoas têm ensinado que, devido ao amor, Deus não vai punir nenhum pecado, mas no final todos serão salvos. Esta heresia, conhecida como universalismo, tem encontrado muitos defensores em nossos dias, quando a popularidade tem sido mais valorizada que a fidelidade.
Diante desse quadro, é chocante ler um trecho em que Jesus afirma que algumas pessoas não podem ser seus discípulos! De maneira clara, Jesus, o próprio amor, diz que alguns não podem segui-lo. É difícil imaginar uma mensagem mais urgente. Como cremos na Bíblia como Palavra inspirada de Deus, precisamos compreender com honestidade quem são estes que não podem ser discípulos. O evangelista Lucas registra as seguintes palavras de Jesus em Lucas 14.25-26:
“Uma grande multidão ia acompanhando Jesus; este, voltando-se para ela, disse: ‘Se alguém vem a mim e ama o pai, a mãe, a mulher, os filhos, os irmãos, as irmãs e até a própria vida mais do que a mim, não pode ser meu discípulo.’”
O versículo 26 nos traz alguns desafios linguísticos. A palavra “amar” não aparece no texto, e sim “não odiar”… Como então chegamos à expressão amar? Há dois princípios que nos ajudam aqui. O primeiro é que a Bíblia explica a Bíblia. Na passagem paralela em Mateus 10.37 lemos: “Quem ama o pai ou a mãe mais do que a mim não é digno de mim; quem ama o filho ou a filha mais do que a mim não é digno de mim”. Nesse sentido, o intuito de Jesus é justamente indicar que o amor a Deus deve ter primazia para que alguém possa segui-lo. O segundo princípio é o fato de que a palavra “odiar”, no original, pode ser interpretada por “amar menos”.
Se meu amor está centrado em uma pessoa, estou a um passo de desenvolver uma dependência dessa pessoa.
Assim, o ensino central é que, se alguém não amar menos as pessoas do que a Deus, este não pode ser discípulo de Jesus. Tenho refletido sobre essa afirmativa contundente de Jesus. Creio que a essência daquilo que Jesus quer nos ensinar é que nosso amor tem de estar voltado para aquele que é não só a fonte, mas o próprio amor (1João 4.8). Se meu amor está centrado em uma pessoa (esposa, pai, mãe, filhos), estou a um passo de desenvolver uma dependência dessa pessoa, ou seja: essa relação se torna o centro de meu universo. Isso é prejudicial em dois sentidos: (1) essa pessoa vai me decepcionar em algum momento e (2) eu passo a idolatrar a pessoa ou nosso relacionamento.
Uma vez que meu anseio por amor está saciado em Deus, posso deixar fluir este mesmo amor em direção às pessoas à minha volta.
Logo, uma relação de amor tem de estar baseada em alguém que não vai nos decepcionar e que realmente é digno de ser o alvo de nossa adoração, ou seja, Deus! Uma vez que meu anseio por amor está saciado em Deus, posso deixar fluir este mesmo amor em direção às pessoas à minha volta, sem demandar que elas cumpram um papel que nunca poderão cumprir em minha vida. Conforme 1João 4.19: “Nós amamos porque ele nos amou primeiro”.
A primeira atitude que nos impede de seguir a Jesus é então não centrar nossa fé e nossa própria vida em Jesus, mas em pessoas que são significativas ao nosso redor. Minha oração é que você pare para refletir se precisa crescer nesse aspecto. Eu acredito que preciso. Muitas vezes eu me percebo mais focado em pessoas ao meu redor do que naquele que me amou perfeitamente e deu sua vida por mim. Com isso, me torno mais exigente com aqueles que afirmo amar, muitas vezes esperando algo que eles não podem dar, pois o verdadeiro amor só vou encontrar naquele que é amor, Deus.
Autor
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Daniel Lima (D.Min., Fuller Theological Seminary) serviu como pastor em igrejas locais por mais de 25 anos. Também formado em psicologia com mestrado em educação cristã, Daniel foi diretor acadêmico do Seminário Bíblico Palavra da Vida (SBPV) por cinco anos. É autor, preletor e tem exercido um ministério na formação e mentoreamento de pastores. Casado com Ana Paula há mais de 30 anos, tem quatro filhos, dois netos e vive no Rio Grande do Sul desde 1995. Ele estará presente no 26º Congresso Internacional Sobre a Palavra Profética, organizado pela Chamada.