Deslizamento da Fé

Todos conhecemos cristãos que se desviaram do caminho de Deus (e talvez nós mesmos tenhamos sofrido tentações nesse sentido). Como é que se dá esse processo?

Você já viu como começa um deslizamento de terra? Não começa com toneladas de terra deslizando de uma vez. Especialistas afirmam que materiais soltos exercem uma enorme pressão sobre o solo ou camada sobre a qual se acumulam. Caso exista uma barreira que contenha essa pressão, a terra não se mexe, mas o problema começa quando uma pequena parte da barreira se solta ou se move. A princípio nada muda, mas existe um ponto em que a barreira perde sua capacidade de conter o enorme peso acumulado. A partir daí o material acumulado se desloca e com este deslocamento rompe ainda mais as barreiras que existiam. De modo geral, uma vez rompida a integridade da barreira, o deslizamento é só uma questão de tempo.

Essa descrição se aplica com frequência a igrejas e pastores ou quaisquer outros cristãos. Ninguém abandona a fé de um momento para o outro. O que tenho visto ao longo de minha vida é que a pessoa começa fazendo pequenas concessões, se permite abandonar princípios secundários da fé, questiona por exemplo se a Criação em Gênesis ocorreu realmente assim, ou se o Dilúvio foi literal ou apenas uma metáfora. Se questionados, eles prontamente perguntam se nossa fé em Jesus depende de relatos do Antigo Testamento. Logo a seguir, passam a selecionar quais passagens são essenciais, em quais devemos realmente confiar. Sem perceber a barreira, os parâmetros de sua fé estão em franca erosão. Em seguida, a enorme pressão de sociedade e de seu próprio coração começam a romper outras barreiras, até que finalmente ocorre um grande desvio ou abandono da fé.

“Ninguém abandona a fé de um momento para o outro.”

Paulo em 1Timóteo nos fala desse processo, mencionando homens que “naufragaram na fé” (1Timóteo 1.18-20):

“Timóteo, meu filho, segundo as profecias anteriormente proferidas a seu respeito, dou a você esta instrução: firmado nelas, combata o bom combate, mantendo a fé e a boa consciência que alguns rejeitaram e, por isso, naufragaram na fé. Entre eles estão Himeneu e Alexandre, os quais entreguei a Satanás, para que aprendam a não blasfemar.”

O que me parece mais revelador é o manter a fé e a boa consciência. Paulo afirma que esta é a base do bom combate. No entanto, em seguida ele alerta que aqueles que rejeitaram a boa consciência vieram a naufragar na fé. A palavra “fé” nessa passagem está intimamente ligada à verdade (veja 2Timóteo 2.18). O fato é que, ao rejeitar a boa consciência, ou seja, ao abandonar uma consciência alimentada pela Palavra, começa uma erosão da fé ou da confiança na verdade do evangelho.

Meu avô, expressando uma sabedoria de alguém do campo, dizia: “Onde passa boi, passa boiada”. O significado era que, uma vez que você deixa uma brecha para um pequeno desvio, se não for corrigido, logo desvios muito maiores se seguirão. No momento em que um pregador ou mestre começa a duvidar da integridade da Bíblia, todo desvio se torna possível. Já acompanhei com tristeza alguns que começaram duvidando de relatos secundários da Bíblia, mas, com o tempo, a pressão da sociedade e seus próprias enganos os levaram a negar a autoridade da Bíblia e negar que exista um conjunto fundamental da fé cristã. Pastores eloquentes, em prol de “relevância” ou mesmo popularidade, sacrificam as barreiras que devem conter o deslizamento.

Converso com cristãos que seguem pastores assim e afirmam: “O que importa é que estão trazendo muitos para Jesus”. É realmente possível que Deus use homens assim para levar muitos a um arrependimento e uma conversão verdadeiros. Não por sua fidelidade, mas pelo poder soberano de Deus com respeito ao evangelho (Romanos 1.16). No entanto, nosso chamado não é apenas levar pessoas à conversão, mas também a um discipulado fiel.

Na passagem que conhecemos como a Grande Comissão (Mateus 28.18-20) lemos:

“Então, Jesus se aproximou deles e lhes disse: ‘Toda a autoridade me foi dada nos céus e na terra. Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a obedecer a tudo o que eu ordenei a vocês. E eu estarei sempre com vocês, até o fim dos tempos.”

“Negar a integridade de mesmo uma só passagem [bíblica] é dar o primeiro passo a um eventual naufrágio na fé.”

Quero destacar a frase “ensinando-os a obedecer a tudo o que eu ordenei a vocês”. Quando falamos de fazer discípulos, não nos cabe selecionar as partes que julgamos importantes, ou que são mais adequadas aos sensíveis ouvidos de nossa audiência. Somos chamados a ensinar e obedecer a tudo o que Jesus ensinou. Não podemos negociar a integridade das Escrituras devido a passagens que nos deixam constrangidos. Negar a integridade de mesmo uma só passagem é dar o primeiro passo a um eventual naufrágio na fé.

Autor

  • Daniel Lima (D.Min., Fuller Theological Seminary) serviu como pastor em igrejas locais por mais de 25 anos. Também formado em psicologia com mestrado em educação cristã, Daniel foi diretor acadêmico do Seminário Bíblico Palavra da Vida (SBPV) por cinco anos. É autor, preletor e tem exercido um ministério na formação e mentoreamento de pastores. Casado com Ana Paula há mais de 30 anos, tem quatro filhos, dois netos e vive no Rio Grande do Sul desde 1995. Ele estará presente no 26º Congresso Internacional Sobre a Palavra Profética, organizado pela Chamada.

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