A Carta de Cristo à Igreja em Éfeso

O que podemos aprender com a carta de Cristo endereçada à igreja em Éfeso (Apocalipse 2.1-7), a igreja que perdeu o seu amor?

Cristo, o Juiz soberano (v. 1)

A primeira carta dirige-se ao anjo ou mensageiro da igreja de Éfeso. A palavra grega angelos, transliterada no português como “anjo”, é usada com frequência na Bíblia para falar dos anjos. No entanto, há várias ocorrências em que ela se refere a mensageiros humanos (Mateus 11.10; Marcos 1.2; Lucas 7.24,27; 9.52). Aqui a melhor interpretação é entendê-los como mensageiros humanos enviados a essas sete igrejas, provavelmente os pastores ou profetas por meio dos quais a mensagem seria entregue à congregação.

O mensageiro da igreja de Éfeso, que na época era uma grande cidade metropolitana, sem dúvida era um importante indivíduo e líder cristão da época. A Éfeso de então era a cidade mais proeminente da província romana da Ásia Menor e já tinha uma longa história de testemunho cristão. Na verdade, Éfeso é a única das sete igrejas que é mencionada no livro de Atos (cap. 19) e também foi destinatária de uma das cartas de Paulo.[1] O relato sobre a rebelião em Éfeso, resultante da pregação evangelística de Paulo (Atos 19.28-41), é um testemunho impressionante do poder e da eficácia do testemunho cristão primitivo nessa importante cidade.

Depois do fim do ministério de Paulo em Éfeso, há evidência de que, durante muitos anos, Timóteo liderou as igrejas naquela área, servindo como superintendente. Há motivos para crer que o próprio apóstolo João, ora exilado em Patmos, sucedeu Timóteo como pastor geral em Éfeso. Essa primeira das sete mensagens dirige-se a essa igreja e aos cristãos que viviam em Éfeso no fim do primeiro século, cerca de trinta anos depois de Paulo.

Cristo é apresentado na mensagem a Éfeso como “aquele que conserva na mão direita as sete estrelas e que anda no meio dos sete candelabros de ouro”. Essa descrição de Cristo, que corresponde àquela dada no começo do capítulo 1 de Apocalipse, é uma apresentação simbólica do fato de que Cristo tem os mensageiros dessas igrejas em sua mão direita, um lugar de proteção soberana e de autoridade divina sobre eles. A palavra para “conservar” (grego, kratōn) significa “segurar com autoridade”. Assim, os mensageiros estão seguros na proteção divina e debaixo do controle divino, um eco daquilo que João escrevera anteriormente sobre a segurança do fiel (João 10.28-29).

Elogio pela doutrina e diligência (v. 2-3)

Como aquele que anda em meio aos candelabros das igrejas, Cristo é o Onipresente que observa o testemunho das igrejas da Ásia. Sua mensagem é baseada em seu conhecimento a respeito das obras notáveis e louváveis delas. Ele menciona o esforço e a perseverança da igreja de Éfeso, seu repúdio aos maus e seu discernimento para descobrir os falsos mestres. Essas qualidades são urgentemente necessárias na igreja de hoje, onde vemos, com demasiada frequência, falta de perseverança no serviço ao Senhor junto com a tendência de fazer concessões a males morais e teológicos. A igreja efésia é louvada por Cristo por se afastar tanto da corrupção moral quanto do erro teológico.

A forma paciente com que esses fiéis estavam suportando seus fardos estabelece um forte contraste com sua recusa em suportar o mal. Sua paciência tinha a motivação correta, “por causa do meu nome [de Cristo]”, que lhes deu a perseverança para fazer o que era certo, motivo por que Cristo os elogia. (Lembre-se da exortação de Paulo em Gálatas 6.9: “E não nos cansemos de fazer o bem…”.) Essa igreja em Éfeso serviu bem a Cristo.

Acusação de falta de amor (v. 4-5)

Apesar dessas qualidades desejáveis, Cristo afirma que a igreja de Éfeso falhou em manter seu primeiro amor. A tradução “o amor que tinha no princípio” (NVT) mostra a ênfase do texto grego. A palavra para “amor” (grego, agapēn) é o termo mais profundo e significativo que o idioma grego tem para amor. Embora não tivessem deixado totalmente o seu amor por Deus, ele já não tinha a intensidade nem o significado de antes – o que é um problema muito sério.[2]

É evidente que o problema da igreja não era falta de fé, o que seria um defeito de intelecto ou de teologia. Também não há qualquer indício de que o problema estivesse na área da vontade, como se os fiéis nunca tivessem se entregado completamente a Deus e assim não fossem cheios do Espírito Santo. Em vez de ser uma questão de mente ou vontade, a falha deles era uma questão de coração. A paixão que tinham por Cristo anteriormente havia esfriado.

Contudo, isso não tinha sido sempre assim. Em sua carta aos Efésios, cerca de trinta anos antes, Paulo escreveu: “Por isso, também eu, tendo ouvido a respeito da fé que vocês têm no Senhor Jesus e do amor para com todos os santos, não cesso de dar graças por vocês, mencionando-os nas minhas orações” (1.15-16).

Agora, porém, a igreja de Éfeso estava em sua segunda geração de cristãos, aqueles que haviam chegado à igreja nos anos depois de Paulo ter trabalhado ali. Embora continuassem a trabalhar com fidelidade, a exemplo dos que vieram antes deles, faltava amor a Cristo. A importância do fervor e da pureza desse amor é revelada nas palavras finais da carta de Paulo aos efésios: “A graça esteja com todos os que amam sinceramente o nosso Senhor Jesus Cristo” (6.24).

Tristemente, esse é um padrão familiar na história da igreja: o amor de uma igreja por Cristo esfria e é substituído por um amor às coisas do mundo, resultando em concessões e corrupção espiritual, seguidas de afastamento da fé e perda do testemunho espiritual eficaz.

O esfriamento que havia tomado o coração dos efésios era um precursor perigoso da apatia espiritual que mais tarde apagaria todo o testemunho cristão nesse importante centro da igreja primitiva, como veremos adiante. Tristemente, esse é um padrão familiar na história da igreja: o amor de uma igreja por Cristo esfria e é substituído por um amor às coisas do mundo, resultando em concessões e corrupção espiritual, seguidas de afastamento da fé e perda do testemunho espiritual eficaz.

Outras passagens bíblicas alertam sobre o perigo do desvanecimento do amor a Deus. Paulo escreveu: “Porque o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males; e alguns, nessa cobiça, se desviaram da fé…” (1Timóteo 6.10). João advertiu: “Não amem o mundo nem as coisas que há no mundo. Se alguém amar o mundo, o amor do Pai não está nele” (1João 2.15), e também: “Filhinhos, cuidado com os ídolos!” (1João 5.21). Até mesmo os nossos entes queridos podem ficar entre nós e nosso amor a Deus. O próprio Cristo disse: “Quem ama o seu pai ou a sua mãe mais do que a mim não é digno de mim; quem ama o seu filho ou a sua filha mais do que a mim não é digno de mim” (Mateus 10.37).

Para corrigir esse problema, o Senhor ordenou à igreja de Éfeso que desse três passos urgentes. O primeiro era: “Lembre-se, pois, de onde você caiu”. Voltar ao ponto do desvio de Deus é a primeira medida. Para os cristãos de Éfeso, isso significava lembrar do amor por Cristo que antigamente queimava no coração deles. Com frequência, a deserção espiritual acontece quando esquecemos o que já sabíamos.

A segunda ordem é para que se arrependam. Aqui se usa a palavra grega metanoēson, que significa “mudar de mente, opinião”. Os efésios deveriam adotar uma postura diferente em relação a Cristo e retomar seu antigo amor por ele. A terceira ordem é consequência das duas primeiras: “… volte à prática das primeiras obras”. O amor verdadeiro por Deus sempre se manifesta nas obras que produz. Os crentes efésios eram trabalhadores fiéis, mas eles não eram simples escravos de Jesus Cristo; eles haviam entregado seu coração ao Salvador para terem um relacionamento de amor com ele.

Apocalipse

por John F. Walvoord

Comentário expositivo de Apocalipse, escrito por John F. Walvoord, um dos teólogos mais importantes do século passado, e revisado por Mark Hitchcock, um dos principais estudiosos da profecia bíblica no século atual.

O ódio de Cristo é a ira de um Deus santo contra quaisquer falsificações e distorções da pura verdade bíblica.

A seriedade dessas ordens fica evidente na última parte do versículo 5. Se os efésios não obedecessem a Cristo nessas coisas, deveriam ficar na expectativa de sofrer juízo repentino e ter seu candelabro removido. Aparentemente, isso significa que Deus eliminaria essa igreja como testemunha de Cristo – o que, como vimos, acabou acontecendo. A igreja de Éfeso reteve seu vigor por vários séculos e não somente foi sede de bispados orientais, mas também o local de reunião do Terceiro Concílio Ecumênico da igreja, que aconteceu no ano 431. Depois do século 5, porém, a cidade de Éfeso entrou em decadência, e no século 14 os turcos deportaram os habitantes que restavam ali. A cidade, hoje desabitada, é uma das ruínas mais importantes naquela área, localizada a alguns quilômetros do mar em razão do acúmulo de sedimentos, que bloquearam o porto desse outrora importante centro marítimo.

Louvor por odiar inimigos da verdade (v. 6)

Junto com a exortação ao arrependimento, vem a palavra final de aprovação no versículo 6, na qual a igreja de Éfeso é elogiada por odiar as obras dos nicolaítas. Há muita especulação a respeito da identidade exata desse grupo e da natureza de seu erro.[3] Aparentemente, os nicolaítas eram uma seita, e alguns interpretam o nome deles como significando “conquista dos povos” (do grego, nikaō, “conquistar”, e laos, “os povos”). Essa perspectiva considera os nicolaítas como os precursores da hierarquia clerical que se sobrepõe aos leigos, roubando-lhes a liberdade espiritual. Outros os entendem como uma seita licenciosa que advogava liberdade completa na conduta cristã, incluindo participação em festas pagãs e amor livre. Uma terceira perspectiva associa esse grupo a Nicolau, o prosélito de Antioquia (At 6.5), um dos sete diáconos originais.

Quaisquer que sejam a identidade e as práticas dos nicolaítas, o fato de Cristo dizer que também odeia as obras deles diz muito sobre a natureza terrível do que eles acreditavam e/ou faziam. O ódio de Cristo é a ira de um Deus santo contra quaisquer falsificações e distorções da pura verdade bíblica. Para o cristão, não é errado odiar os inimigos de Deus (cf. Salmos 139.21-22).

Convite e promessa (v. 7)

A carta de Cristo aos efésios termina com um convite e uma promessa aos vencedores: “Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas: ‘Ao vencedor, darei o direito de se alimentar da árvore da vida, que se encontra no paraíso de Deus’”.

É importante observar que essa promessa, e também as que se seguem nas cartas às outras seis igrejas, não valem apenas para um grupo especial de cristãos chamado de “vencedores”. Antes, essa é uma descrição de algo que deveria ser a vida cristã normal de todo verdadeiro seguidor de Cristo. Em sua primeira carta, João pergunta: “Quem é o que vence o mundo, senão aquele que crê que Jesus é o Filho de Deus?” (1João 5.5). Em outras palavras, os membros da igreja de Éfeso que haviam superado a incredulidade e o pecado do mundo recebem a promessa de que terão direito à árvore da vida que está no paraíso de Deus.

Essa árvore, mencionada pela primeira vez no jardim do Éden, em Gênesis 3.22, aparece mais tarde no meio da rua na nova Jerusalém, onde dá seus frutos para levar saúde e vida abundantes às nações (Apocalipse 22.2). É especialmente apropriado que, na eternidade futura, aqueles que odeiam as más obras do mundo e sua adoração idólatra recebam a recompensa de permanecer na vida abundante que há em Cristo. A natureza graciosa da promessa destina-se a restaurar e reacender o amor por Cristo que havia nos primeiros dias da igreja.

A carta à igreja de Éfeso nos lembra como é fácil que o amor apaixonado por Cristo dos primeiros dias de uma igreja se esfrie com o passar dos anos. Mas Cristo nunca quis que o nosso dever em relação a ele, mesmo o mais fiel deles, substituísse o nosso amor por ele. O “primeiro amor” da igreja por Jesus Cristo precisa ser continuamente alimentado, para servir como motivação genuína para o serviço ao nosso Senhor.

Notas

  1. Wilbur M. Smith, “Revelation”, The Wycliffe Bible Commentary, ed. Charles F. Pfeiffer e Everett F. Harrison (Chicago: Moody, 1990), p. 1503.
  2. A versão New English Translation observa que a palavra traduzida por “abandonou” pode ser usada para o divórcio, “de forma que a ilustração aqui é muito forte”. Veja Burer, Harris III e Wallace, New English Translation, p. 634.
  3. Veja Robert L. Thomas, Revelation 1–7: An Exegetical Commentary (Chicago: Moody, 1992), p. 148-150; John MacArthur, Revelation 1–11, The MacArthur New Testament Commentary (Chicago: Moody, 1999), p. 61.

Este artigo foi adaptado do livro Apocalipse, escrito por John F. Walvoord.

Autor

  • John F. Walvoord (Th.D., Dallas Theological Seminary; D.D., Wheaton College) há muito tempo é uma autoridade reconhecida em teologia sistemática e escatologia. Dr. Walvoord aposentou-se da presidência do Dallas Theological Seminary em 1986 e faleceu em 2002. Ele também serviu como presidente da Evangelical Theological Society.

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