Lamento e Esperança Diante da Morte

Houve muita discussão diante das mortes em função da operação policial no Rio de Janeiro. Mas qual deve ser a reação dos cristãos?

Como brasileiros, assim como muitos estrangeiros, ainda estamos em choque com a operação policial que ocorreu no Rio de Janeiro há alguns dias. Busquei não escrever a respeito até agora para evitar reações descabidas como as que tenho assistido. No entanto, após alguns dias e lendo um pouco mais, creio que estou pronto para compartilhar algumas impressões que, espero, nos ajudem a refletir.

A imagem de Deus e a morte

Por um lado, a morte de qualquer ser humano é trágica (Ezequiel 33.11). Como seguidor de Cristo, eu creio em Gênesis 1.27, texto que afirma que todo homem é feito à imagem de Deus.

Também faz parte de minhas convicções que, com a entrada do pecado no mundo (Gênesis 3), essa imagem de Deus foi distorcida no ser humano a ponto de ficar difícil de reconhecê-la à primeira vista, especialmente diante de alguns relatos de atos bárbaros realizados por traficantes.

Também confesso que, apesar de apoiar ações policiais com uso de força letal, creio que é bem possível que exageros e erros por parte delas tenham ocorrido, posto que são humanos e, no caso, estavam submetidos a situações extremas.

Obediência às autoridades

Por outro lado, não consigo estabelecer uma equivalência ao lamentar da mesma forma a morte de criminosos (fazendo ressalva aos eventuais inocentes que possam ter sido atingidos) e a morte de policiais que morreram cumprindo um papel a eles atribuído pelas autoridades e pela sociedade. Na passagem de Romanos 13.1-7, o apóstolo Paulo escreve sobre o respeito às autoridades constituídas. Reparem especialmente nos versículos 3 e 4:

“Pois os governantes não devem ser temidos, a não ser pelos que praticam o mal. Você quer viver livre do medo da autoridade? Pratique o bem, e ela o enaltecerá. Pois é serva de Deus para o seu bem. Mas se você praticar o mal, tenha medo, pois ela não porta a espada sem motivo. É serva de Deus, agente da justiça para punir quem pratica o mal.”

É importante destacar que há muitas situações históricas em que as autoridades eram temidas, especialmente em regimes abusivos, injustos e cruéis. Paulo mesmo estava escrevendo sob um regime assim: o Império Romano. E, naquele período, o imperador era Nero, conhecido por sua injustiça e crueldade amplamente documentados.

Existem situações em que, mesmo ao praticar o bem, autoridades devem ser temidas. Este é ocaso quando cristãos são perseguidos oficialmente pelo Estado.

No entanto, mesmo alguém com um pensamento muito alternativo não defenderia os traficantes como um grupo que faz o bem. Estes eram em sua maioria membros de facções criminosas, envolvidos tanto no tráfico de drogas quanto na opressão e no abuso da população daquelas comunidades. Para estes certamente se aplicaria a expressão do versículo 4: a autoridade “não porta a espada sem motivo”.

O dilema fundamental

Tentativas de romantizar o criminoso como uma vítima do sistema obscurece o debate e oculta aspectos fundamenteis do dilema. As circunstâncias são cruéis: o ambiente estimula a criminalidade, e a falta de oportunidade empurra jovens nesta direção, mas esta não é a única resposta, caso contrário teríamos a totalidade daquela população envolvida no crime. Em outras palavras, há opções, ainda que estreitas.

O que essa tragédia evidencia, mais que discussões sobre estratégias policiais, é a falência do ser humano e da sociedade em se autorregular (Romanos 3). Ideologias que ignoram a maldade intrínseca do ser humano acabam por se “encurralar” em contradições como a de defender criminosos.

Já ideologias que ignoram a verdade de que a dignidade do homem advém de sua origem à imagem de Deus, não de suas escolhas morais, acabam desembocando em afirmações tolas como “bandido bom é bandido morto” – sobre isso, recomendo um artigo meu chamado Bandido Bom é Bandido… Redimido.

Quando penso no resultado dessa ação policial, muito embora eu seja um tanto cético, espero que traga um pouco mais de paz às comunidades dominadas pelos criminosos.

Quando penso nos policiais mortos, lamento que exista casos em que a força letal seja necessária e que agentes tenham de pagar o preço.

Quando assisto à briga por ganho político, lamento que tanto um lado quanto o outro ainda escolhem ignorar que a solução passa tanto por responsabilizar criminosos, dando consequências para suas ações, como por investir em ações que gerem transformações reais em nossa sociedade.

Diante disso, e sem ignorar a complexidade do problema, volto a olhar para Jesus.

Autor

  • Daniel Lima (D.Min., Fuller Theological Seminary) serviu como pastor em igrejas locais por mais de 25 anos. Também formado em psicologia com mestrado em educação cristã, Daniel foi diretor acadêmico do Seminário Bíblico Palavra da Vida (SBPV) por cinco anos. É autor, preletor e tem exercido um ministério na formação e mentoreamento de pastores. Casado com Ana Paula há mais de 30 anos, tem quatro filhos, dois netos e vive no Rio Grande do Sul desde 1995. Ele estará presente no 27º Congresso Internacional Sobre a Palavra Profética, organizado pela Chamada.

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