A Arrogância dos Ricos: Parte 1

Exposição dos versículos 1 a 6 do capítulo 5 da carta de Tiago. Sobre a perspectiva bíblica da riqueza e a maneira correta de lidar com o dinheiro.

Este é o primeiro de dois textos nos quais nos ocuparemos com um segmento muito sério da carta de Tiago. Trata-se de uma das advertências mais compactas e agudas de toda a Bíblia contra o abuso das riquezas. Tiago desmascara aqui os pecados das pessoas ricas e ímpias, denunciando seu abuso da prosperidade e do poder. Além disso, ele expõe o inevitável resultado: o juízo de Deus. Era um assunto atual na ocasião e continua sendo assim até hoje.

“O dinheiro move o mundo” é uma expressão comum. Parece-me que isso se aplica à nossa geração como nunca antes. A maioria de nós conhece as seduções da prosperidade que os ricos e poderosos nos apresentam diariamente na televisão e na imprensa. É por isso que, nesses versículos, Tiago quer expor dois aspectos a todos os leitores de todos os tempos: a transitoriedade e a definitiva falta de valor de todos os tesouros terrenos; e o caráter desprezível daqueles que acumularam tesouros para torrá-los descaradamente. Sua intenção é nos advertir a não depositarmos nossa esperança e desejos nessas coisas, buscando-as ambiciosamente.

Tiago emprega palavras duras e diz aos prósperos de sua época que eles:

  1. acumularam suas riquezas de forma egoísta,
  2. multiplicaram-nas desonestamente,
  3. desperdiçaram-nas desmedidamente e
  4. exploraram-nas irresponsavelmente.

Por causa disso, intitulo este texto de “arrogância dos ricos”. Antes de tudo, porém, buscaremos esclarecer fundamentalmente esse tema mediante um enfoque bíblico da riqueza. A exposição propriamente dita do texto ficará para a segunda parte, a ser publicada na próxima edição.

Ageu 2.8 informa com grande segurança a quem pertence todo o dinheiro: “Minha é a prata, meu é o ouro, diz o Senhor dos Exércitos”.

Tudo o que possuímos, toda a riqueza deste mundo pertence ao Deus vivo. Inversamente, isto significa que somos apenas administradores – exatamente o que Jesus ensina na Parábola dos Talentos de Mateus 25.14-30. Nós aplicamos isso preferencialmente a talentos em geral, mas trata-se primeiramente de dinheiro. A um ele confia mais; a outro, menos. Então, se estivermos insatisfeitos com a nossa presente situação financeira, acusamos Deus por meio disso, como se ele não soubesse quais são as nossas verdadeiras necessidades. O escritor britânico C. S. Lewis descreveu com precisão o problema que alguns cristãos têm com as riquezas: “O orgulho não obtém prazer em ter algo, apenas em ter mais do que o próximo”.[1]

Se nos compararmos com os milionários, podemos ficar deprimidos. Contudo, quando comparamos a nossa realidade com a da maioria das pessoas mundo afora, vemos que muitos de nós têm em abundância; afinal, todos nós temos mais do que o necessário para a sobrevivência imediata! Não esqueçamos que, alguns séculos atrás, mesmo os mais poderosos não podiam nem sonhar com aquelas carruagens climatizadas e ultravelozes que hoje chamamos de carro.

Assim, se todo o dinheiro pertence a Deus, ele não pode ser fundamentalmente mau. Esse também é o motivo por que não encontramos nenhuma passagem bíblica dizendo que é pecado ser rico. Alguns dos maiores homens de Deus no Antigo Testamento eram muito ricos:

Sobre Abraão, lemos: “Abrão era muito rico; possuía gado, prata e ouro” (Gênesis 13.2). Jó era o homem mais rico do Oriente (Jó 1.3) e, depois de superar sua provação, Deus até o abençoou com o dobro de sua fortuna inicial. Davi doou para o templo ouro e prata num valor correspondente a vários bilhões de reais (1Crônicas 29.4). Seu filho Salomão foi o homem mais rico do mundo – somente com seus negócios de importação anual de ouro ele obtinha o equivalente a alguns bilhões de reais hoje em dia (1Reis 10.14,23).

C. S. Lewis: “O orgulho não obtém prazer em ter algo, apenas em ter mais do que o próximo”.

O Novo Testamento também apresenta gente rica: José de Arimateia (Mateus 25.57); Lídia, a mercadora de púrpura (Atos 16.14); e Filemom, por exemplo. Em nenhum lugar da Bíblia se condena a riqueza. Existem até passagens em que ela é chamada de bênção de Deus, especialmente no livro de Provérbios: “Quem trabalha… com diligência enriquece. A bênção do Senhor enriquece…” (Provérbios 10.4,22).

Dito tudo isso, há dois extremos que precisamos evitar. O primeiro extremo é o exagero de entregar ao Senhor tudo o que é material. Agora, é possível que venha o lembrete de que Jesus expressamente elogiou a pobre viúva que entregou suas últimas duas moedinhas… Sim, foi o que ele fez (Marcos 12.41-44). Contudo, o contexto mostra que se tratava de uma pesada acusação contra os escribas, que “devora[vam] as casas das viúvas” (Marcos 12.40), e, como prova de que era isso o que eles faziam, Jesus citou o exemplo da viúva e encerrou dizendo: “Ela, porém, da sua pobreza deu tudo o que possuía, todo o seu sustento” (v. 44). Trata-se de uma indigna exploração dos mais fracos e pobres.

E o exemplo do jovem rico (Marcos 10.17-22)? Jesus lhe recomendou que vendesse tudo, não é mesmo? Porém, a ordem de Jesus não era universal, mas específica.

Aquele homem deveria renunciar a todas as suas posses porque havia entregado o seu coração aos seus numerosos bens. A fortuna era o seu ídolo; ele queria servir tanto a Deus quanto a Mamom. Na verdade, ele não queria largar nada. Foi por causa dessas tristes circunstâncias que Jesus acrescentou sua famosa observação: “Como é difícil para os que têm riquezas entrar no Reino de Deus!” (Marcos 10.23).

O teólogo Fritz Grünzweig traz a seguinte formulação como advertência para nós: “Uma pessoa não precisa necessariamente ser rica e ter muitas posses para fazer do que tem um ídolo, depositando sua segurança nisso”.[2]

Isso nos conduz ao segundo extremo, que infelizmente também é pregado e praticado, a saber, o exagero de usar tudo apenas para si mesmo. “Você é filho de um rei; portanto, viva de acordo! Tome posse do que puder adquirir e aproveite. Você merece!”

O dinheiro não é pecaminoso, mas o que fazemos com ele pode ser.

Essa foi essencialmente a acusação de Jesus contra o homem rico em Lucas 16. Ele “se vestia de púrpura e de linho finíssimo” e “se alegrava todos os dias com grande ostentação”, mas mantinha tudo para si mesmo e não dividia nada com o pobre Lázaro, que vivia à porta da sua casa (v. 19-20). Também podemos lembrar do rico e tolo agricultor em Lucas 12, que conservava um estoque enorme somente para si mesmo. Esse tipo de atitude levou o Senhor Jesus a dizer claramente: “Não acumulem tesouros sobre a terra…” (Mateus 6.19).

No que deveríamos, então, aplicar nossas finanças? Devemos usar nossos recursos – que provêm do Senhor – para a glória dele. Podemos fazer isso em pelo menos três áreas.

Primeira, em nossa família imediata: “Se alguém não tem cuidado dos seus e, especialmente, dos da própria casa, esse negou a fé e é pior do que o descrente” (1Timóteo 5.8). Devemos cuidar dela como sábios administradores, talvez mantendo alguma quantia reservada. Os filhos também têm responsabilidade nisso: “Mas, se alguma viúva tem filhos ou netos, que estes aprendam primeiro a exercer piedade para com a própria casa e a recompensar os seus pais, pois isto é aceitável diante de Deus” (1Timóteo 5.4).

Segunda, com pessoas carentes. Viúvas e órfãos que não têm ninguém cuidando deles; pessoas frágeis, doentes e pobres. “Ora, se alguém possui recursos deste mundo e vê seu irmão passar necessidade, mas fecha o coração para essa pessoa, como pode permanecer nele o amor de Deus?” (1João 3.17).

Terceira, com o Reino de Deus: “Assim também o Senhor ordenou aos que pregam o evangelho que vivam do evangelho” (1Coríntios 9.14). Paulo menciona o procedimento neotestamentário disso em 1Coríntios 16.2 – sem referência ao dízimo: “No primeiro dia da semana, cada um de vocês separe uma quantia, conforme a sua prosperidade, e vá juntando”, e em 2Coríntios 9.6 segue um incentivo para isso: “E isto afirmo: aquele que semeia pouco também colherá pouco; e o que semeia com fartura também colherá com fartura”.

Com base nessas considerações, concluímos que o dinheiro não é pecaminoso, mas o que fazemos com ele pode ser. Paulo também enfatiza isso: “Tendo sustento e com que nos vestir, estejamos contentes. Mas os que querem ficar ricos caem em tentação, em armadilhas e em muitos desejos insensatos e nocivos, que levam as pessoas a se afundar na ruína e na perdição. Porque o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males; e alguns, nessa cobiça, se desviaram da fé e atormentaram a si mesmos com muitas dores. Exorte os ricos deste mundo a que não sejam orgulhosos, nem depositem a sua esperança na instabilidade da riqueza, mas em Deus, que tudo nos proporciona ricamente para o nosso prazer. Que eles façam o bem, sejam ricos em boas obras, generosos em dar e prontos a repartir” (1Timóteo 6.8-10,17-18).

É exatamente nisto que reside a pesada acusação de Tiago: os ricos daqueles tempos eram arrogantes, depositavam sua esperança na instabilidade das riquezas, abusavam da bênção de Deus para sua libertinagem, não eram generosos e, por fim, também não estavam dispostos a distribuir aos pobres. Não se trata aqui de um evangelho social, segundo o qual as riquezas devem ser divididas e tiradas dos ricos. Trata-se da obtenção de riqueza por vias tortas e das motivações egoístas com as quais ela é depois desperdiçada.

Na próxima parte examinaremos com mais detalhes Tiago 5.1-6, com suas admoestações práticas e também proféticas.

Notas

  1. C. S. Lewis, Mere Christianity, 3. ed. (Nova York: Macmillan, 1960), p. 109.
  2. Fritz Grünzweig, Einführung in die biblischen Bücher: Das Neue Testament (Neuhausen: Hänssler, 2000), p. 403.

Autor

  • Fredy Peter nasceu em 1962 na Suíça. Serve na Chamada da Meia-Noite em sua sede, na Suíça, nas áreas de relações públicas e publicações. Completou seus estudos teológicos no Europäisches Bibel Trainings Centrum (EBTC) em Zurique, Suíça. Casado com Susanne, possui três filhos e uma filha.

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