A Arrogância dos Ricos: Parte 2

Exposição dos versículos 1 a 6 do capítulo 5 da carta de Tiago. Sobre o acúmulo egoísta, o aumento fraudulento, o desperdício desmedido e a exploração desrespeitosa da riqueza.

Com suas fortes palavras nesses seis versículos, Tiago emenda diretamente em um tema que ele já começou a tratar nos versículos anteriores.

Em 4.13-17, ele se dirige a negociantes e alerta para a necessidade de uma total dependência de Deus. Em seguida, dirige-se aos que correm principalmente o risco de levar sua vida de forma independente de Deus: os prósperos e ricos donos de terra.

No entanto, não devemos pensar: “Ok, isso não me atinge. Não possuo terras e vivo de forma modesta”. Em comparação com a maioria das pessoas mundo afora, somos todos prósperos e ricos! Embora às vezes entremos em apertos, estamos fartamente supridos com tudo o que é necessário para a vida. Por isso, essas admoestações também são úteis para o ensino, a repreensão, a correção e a educação na justiça (2Timóteo 3.16).

Como vimos na parte 1, não encontramos nenhuma passagem na Bíblia informando que o dinheiro e a riqueza seriam pecaminosos. Todo dinheiro pertence a Deus. Por isso, o dinheiro não pode ser mau e pecaminoso, mas apenas aquilo que fazemos com ele. Assim, na edição passada obtivemos uma visão bíblica sobre o dinheiro e seu uso. Tiago 5.1-6 apresenta um dos vários critérios de avaliação nessa carta para testar a verdadeira fé. O manejo do dinheiro é, pois, um indicador daquele a quem se serve: “Porque, onde estiver o seu tesouro, aí estará também o seu coração” (Mateus 6.21).

Tiago vai direto ao ponto e desnuda a arrogância dos ricos do seu tempo. Primeiramente, ele acusa…

O acúmulo egoísta da riqueza

“Escutem, agora, ricos! Chorem e lamentem, por causa das desgraças que virão sobre vocês” (Tiago 5.1).

Não se trata aqui de um chamado ao arrependimento e à conversão, mas uma cortante advertência profética: o juízo está determinado e virá. O Antigo Testamento usa o termo “lamentar” exclusivamente em conexão com juízo, representando fortes gritos acompanhados de terrível pavor (cf. Isaías 13.6).

Todos nós corremos o perigo de transformar nossas posses maiores ou menores em ídolos e de usá-las somente para nós mesmos.

No que consistia a culpa deles? “As suas riquezas apodreceram, e as suas roupas foram comidas pelas traças. O seu ouro e a sua prata estão enferrujados…” (Tiago 5.2-3).

Além da posse de terras, havia nos tempos bíblicos três fontes de riqueza às quais Tiago se refere aqui: (1) produtos agrícolas – pensemos no rico tolo de Lucas 12; (2) vestimentas – lembremos do precioso manto de que Acã se apoderou em Jericó; e (3) ouro e prata – também destes Acã não pôde abrir mão, tendo furtado secretamente 4 quilos de metal nobre em Jericó (cf. Josué 7). A rigor, ouro e prata não enferrujam, mas podem se contaminar com o tempo. No entanto, moedas feitas de ligas metálicas poderiam perfeitamente enferrujar.

Essas “aplicações financeiras” daqueles tempos, de vida útil limitada, apodreceram, foram roídas ou enferrujaram por não terem sido utilizadas, mas armazenadas – uma acumulação egoísta das dádivas de Deus sem nenhum proveito para outros, em última análise guardadas para o juízo de Deus. “… e essa ferrugem será testemunha contra vocês e há de devorar, como fogo, o corpo de vocês…” (Tiago 5.3).

Portanto, a ferrugem é ao mesmo tempo testemunha e instrumento de juízo. A condenação de que, “nestes tempos do fim, vocês ajuntaram tesouros” não se refere a alguma previdência para a velhice, mas ao período entre a primeira e a segunda vindas de Jesus. Trata-se dele. Eles criam ter o melhor que a vida tem para oferecer: posses, prosperidade e poder. Que equívoco! E que advertência para os tempos atuais nos quais o capitalismo excessivo e o crasso materialismo são considerados normais e desejáveis.

Todos nós corremos o perigo de transformar nossas posses maiores ou menores em ídolos e de usá-las somente para nós mesmos. Todos somos tentados a acumular em vez de compartilhar, embora saibamos que os tempos do fim podem ser encerrados com o retorno de Jesus a qualquer momento. No entanto, tal como vimos na edição passada, o Senhor não espera que renunciemos a tudo. O que se requer é que sejamos bons administradores, porque só assim estaremos em condições de apoiar de forma sustentável os próprios parentes (1Timóteo 5.8), os carentes (1João 3.17) e a obra do reino de Deus (1Coríntios 9.14). Vale lembrar e aplicar a interessante estratégia financeira de Provérbios 11.24: “Uns dão com generosidade e têm cada vez mais; outros retêm mais do que é justo e acabam na pobreza”.

Portanto, Tiago nos adverte aqui enfaticamente que, se depositarmos nossa confiança em alimentação, vestimenta e dinheiro e tudo isso se desmanchar, realmente só restarão choro e lamento. Naquela época, os prósperos não só acumulavam sua riqueza de forma egoísta, mas ainda a aumentavam fraudulentamente. Este é o segundo ponto.

O aumento fraudulento da riqueza

“Eis que o salário dos trabalhadores que fizeram a colheita nos campos de vocês e que foi retido com fraude está clamando” (Tiago 5.4a).

Tratava-se de uma fraude óbvia e claramente sistemática. Até os profetas do Antigo Testamento já denunciavam isso (p. ex., Jeremias 22.13). Deus ordenou explicitamente em Levítico 19.13 que “o pagamento do trabalhador diarista não fique com você até a manhã seguinte”.

Por quê? Nos tempos bíblicos, eram normais as relações de trabalho com início pela manhã e encerramento no fim da tarde, então os diaristas agrícolas dependiam desse salário diário. Caso ele faltasse parcial ou totalmente, a carência era grande. Tal falha de procedimento podia lançar uma família inteira na miséria ou até pôr a vida dela em perigo.

Por isso, Moisés instruiu o seguinte: “Não oprima o empregado pobre e necessitado, seja ele um dos seus compatriotas ou um estrangeiro que está morando na terra e na cidade onde você vive. Pague-lhe o salário no mesmo dia, antes do pôr do sol, porque ele é pobre, e a vida dele depende disso; para que ele não clame ao Senhor contra você, e você seja culpado de pecado” (Deuteronômio 24.14-15).

Foi exatamente isso o que Tiago observou: “E o clamor dos que fizeram a colheita chegou aos ouvidos do Senhor dos Exércitos” (Tiago 5.4b)! Diante dessa clara carência, eles clamaram ao YHWH Seba ̓ot, o Soberano de todos os exércitos celestiais – e ele se encarregaria pessoalmente dessa questão.

Deus não se interessa apenas pela riqueza de alguma pessoa, mas também pelas origens dela.

Não deixa de chamar a atenção que Deus é designado justamente por esse nome em Ageu 2.8 como dono de toda a prata e todo o ouro! A retenção do salário do mais simples dos trabalhadores é literalmente um pecado que clama aos céus.

Portanto, Deus não se interessa apenas pela riqueza de alguma pessoa, mas também pelas origens dela. É admirável que o Senhor não é indiferente à nossa situação social e também ao nosso procedimento social. O salário justo não é invenção dos sindicatos. Jesus já enfatizou há dois mil anos que o trabalhador é digno do seu salário (Lucas 10.7).

O que acontece quando as riquezas são acumuladas de forma egoísta e multiplicadas por meio de fraude? Isto nos conduz ao terceiro ponto do texto.

O desperdício desmedido da riqueza

“Vocês têm tido uma vida de luxo e de prazeres sobre a terra; têm engordado em dia de matança” (Tiago 5.5).

Portanto, Tiago diz que, se alguém se decidir por um estilo de vida pródigo, desregrado e luxuoso, aproveitando de tudo e não dividindo com ninguém, decide-se por um fim bem particular: “Vocês morrerão como um animal gordo”.

É exatamente o que observamos entre os habitantes de Sodoma: “Eis que esta foi a iniquidade de sua irmã Sodoma: ela e as suas filhas foram orgulhosas, tiveram fartura de pão e próspera tranquilidade, mas nunca ampararam os pobres e os necessitados. Foram arrogantes e fizeram abominações diante de mim. Ao ver isso, eu as removi daquele lugar” (Ezequiel 16.49-50).

O dia da matança chegou para os habitantes de Sodoma, e veio também para a elite judaica nos tempos de Tiago. No ano 70 d.C., ela foi aniquilada de forma praticamente total no contexto da rebelião contra Roma. Além disso, esse dia de matança é um dia de juízo escatológico. Olhando para a sociedade ocidental atual, precisamos constatar: “Vocês têm tido uma vida de luxo e de prazeres sobre a terra”.

É por isso que certamente ainda haverá o último dia de matança na forma do Dia do Senhor – esse terrível período de juízo de sete anos sobre um mundo ímpio viciado em prazeres.

Finalmente, o versículo 5 demonstra com assustadora clareza que esses ricos a que Tiago se refere eram descrentes. Eles não só estavam a caminho do seu dia de matança terreno, mas também do dia de matança eterno: o juízo diante do Grande Trono Branco com subsequente expulsão para a terrível e eterna ausência de Deus, denominada inferno.

Jesus confirma essa verdade em três ocasiões nas quais as pessoas viviam apenas para si mesmas e acumulavam ou esbanjavam as riquezas materiais que Deus lhes havia concedido: o rico que não deixou nem migalhas para o pobre Lázaro sofria torturas no inferno (Lucas 16.23); o rico mas tolo agricultor que acumulava toda a colheita só para si teve a alma solicitada (Lucas 12.20); e o servo inútil que enterrou seu dinheiro e nada fez com ele foi lançado nas trevas mais distantes, onde haveria choro e ranger de dentes (Mateus 25.30).

Somente Deus é quem conhece nossas motivações. Assim, sejamos discretos em julgar aquilo que imaginamos enxergar nos outros…

Em que medida a acusação de um estilo de vida opulento nos atingirá pessoalmente? Segundo 1Timóteo 6.17, Deus “tudo nos proporciona ricamente para o nosso prazer”. Seria errado um rico empresário que apoia generosamente sua família, irmãos carentes e o reino de Deus comprar para si um carro de luxo? Creio que não! Seria errado alguém que utiliza os seus rendimentos só para si e não contribui com nada para o reino de Deus comprar para si um carro de luxo? Creio que sim!

Trata-se de uma questão de proporções. Somente Deus é quem conhece nossas motivações. Assim, sejamos discretos em julgar aquilo que imaginamos enxergar nos outros…

Riquezas acumuladas de forma egoísta e multiplicadas fraudulentamente e desperdiçadas sem medida acabam levando ao quarto e último ponto.

A exploração desrespeitosa da riqueza

“Vocês têm condenado e matado o justo, sem que ele ofereça resistência” (Tiago 5.6).

Não há aqui uma referência a Cristo, o único verdadeiramente Justo, mas às pessoas que foram justificadas pela fé em Cristo, tendo suportado sofrimentos e injustiças por conta da mentalidade de Jesus. Por meio da sua fortuna injustamente acumulada, mantida e desperdiçada, os ricos – neste contexto, os injustos – conquistaram o poder de impor seus próprios interesses sem consideração pelo próximo. Tal comportamento revela plenamente a arrogância dos ricos.

Por sofrerem o roubo de parte do seu salário, os humildes trabalhadores rurais eram forçados a se endividar para sobreviverem. E, ao não conseguiram saldar essas dívidas, juízes corruptos determinavam sua punição; não dispondo de assistência jurídica, eles eram forçados a vender tudo o que ainda possuíam – às vezes até os seus próprios familiares. Sem qualquer possibilidade de escapar dessa terrível espiral descendente, eles, então, muitas vezes morriam solitariamente de fome. Deus chama isso de homicídio! Os ricos passavam por cima de cadáveres, e esse abuso de prosperidade e poder conduz inevitavelmente à condenação. Assim, Tiago constata que “o juízo é sem misericórdia sobre quem não usou de misericórdia” (2.13).

Diante dessa situação desesperadora e sem saída, Tiago trará, nos versículos seguintes, um forte encorajamento para os atingidos, que examinaremos na próxima edição.

Conclusão

Quero concluir com uma oração muito apropriada de Martinho Lutero, que resume tudo isso: “Senhor, nosso Deus, guarda-nos do grande pecado da avareza e da ambição pelas riquezas deste mundo. Guarda-nos de buscar a honra e o poder deste mundo e de ceder às tentações. Guarda-nos para que o mundo não nos induza a perder-nos nesta vida passageira por meio das suas fraudes, suas falsas aparências e sua sedução. Guarda-nos de sermos induzidos à impaciência, à vingança, à ira ou a outros vícios pela malignidade e os maus hábitos do mundo.

“Ajuda-nos a renunciar às mentiras, às fraudes, às promessas e à infidelidade das pessoas, com todas as suas posses e sua degeneração, a fim de andarmos numa nova vida conforme também prometemos no batismo, e para que sejamos perseverantes e cresçamos nisso dia após dia. Guarda-nos contra as inspirações do Diabo e de vivermos na arrogância de desprezar outros segundo as nossas próprias preferências – se deres a alguns de nós riquezas, grande fama, poder, arte, beleza ou outros dos teus bens. Amém!”

Autor

  • Fredy Peter nasceu em 1962 na Suíça. Serve na Chamada da Meia-Noite em sua sede, na Suíça, nas áreas de relações públicas e publicações. Completou seus estudos teológicos no Europäisches Bibel Trainings Centrum (EBTC) em Zurique, Suíça. Casado com Susanne, possui três filhos e uma filha.

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