O que podemos aprender com a figura do filho mais velho na parábola de Jesus sobre o filho pródigo?
Lembro-me de uma vez em que a família de meus pais e alguns amigos fomos a uma apresentação de música clássica. Eu era bem jovem e estava bem curioso sobre o que seria tudo aquilo. No entanto, um acontecimento me marcou naquele evento. Nós havíamos comprado assentos premium, mais próximos do palco e, portanto, mais caros. Logo antes do início da apresentação, um dos organizadores chegou ao centro do palco e disse que já que havia muitos lugares desocupados naquele setor, todos os demais presentes podiam vir para baixo, mesmo tendo pago um ingresso muito mais barato. A reação dos adultos do nosso grupo foi de indignação. “Nós pagamos mais caro e agora todos terão o mesmo privilégio?”, questionaram eles. Como criança, não entendi bem o motivo da indignação, mas concordei com eles. Hoje, eu creio que teria outra perspectiva. Na verdade, a ocupação daqueles assentos privilegiados não prejudicou quem já havia pago por eles, apenas beneficiou os que tinham pago por assentos mais baratos. Por que então essa indignação?
O filho mais velho se julgava merecedor, devido aos anos de trabalho exaustivo, mas entendia que o pai não lhe havia dado o que lhe era devido.
Essa experiência traz à tona um aspecto muito humano. Resistimos quando percebemos que nosso esforço maior tenha o mesmo resultado daqueles que se esforçaram (ou pagaram) menos. No mínimo desperta o desejo de não se esforçar tanto na próxima oportunidade.
Na parábola dos dois filhos (Lucas 15.11-32), o filho mais velho não nos é apresentado (exceto por inferência até o final da parábola). No versículo 25, após o drama do filho mais novo ter terminado com seu acolhimento pelo pai, o outro filho chega do campo e é informado do acontecido. Sua reação é expressa nos versículos 28-30:
“O irmão mais velho se irou e não quis entrar. O pai saiu e insistiu com o filho, mas ele respondeu: ‘Todos esses anos, tenho trabalhado como um escravo para o senhor e nunca me recusei a obedecer às suas ordens. E o senhor nunca me deu nem mesmo um cabrito para eu festejar com meus amigos. Mas, quando esse seu filho volta, depois de desperdiçar o seu dinheiro com prostitutas, o senhor comemora matando o novilho!’”.
Ele se enche de ira a ponto de se recusar a participar da festa. Por um lado, existe o aspecto de que, já que o filho mais novo já havia recebido toda a sua herança, tudo que restava era, potencialmente, a herança do mais velho. Dessa forma, o novilho era herança do filho mais velho. No entanto, a razão dada para a sua ira é ainda mais reveladora: ele se revoltou com a injustiça do pai! Ele se julgava merecedor, devido aos anos de trabalho exaustivo, mas entendia que o pai não lhe havia dado o que lhe era devido. Pelo contrário, esbanjava com aquele que havia sido irresponsável.
Certamente existem bênçãos para aqueles que se dedicam ao Senhor e a uma vida santa, mas com frequência a bênção é muito mais espiritual do que física ou material.
Essa é uma parte trágica da história e eu, pessoalmente, sinto muita tristeza pelo filho mais velho. Talvez por me identificar com ele. Temo que para muitos cristãos como eu, mesmo sabendo de nossa salvação exclusivamente pela graça, quando vemos Deus abençoar alguém que, aos nossos olhos, é menos merecedor do que nós, o resultado é frustração ou sensação de injustiça.
O que nos move a pensar assim? Por um lado, creio que seja uma crença distorcida de que, mesmo sendo salvos pela graça, nos tornamos merecedores de bênçãos pelo nosso proceder “correto”. É como se pensássemos: “Eu me dedico tanto e não colho os mesmos frutos que aquele outro, que não se esforça nem a metade…”. De certa maneira passamos a crer que nossos esforços para viver uma vida cristã digna nos dão o direito de sermos mais abençoados. Certamente existem bênçãos para aqueles que se dedicam ao Senhor e a uma vida santa, mas com frequência a bênção é muito mais espiritual do que física ou material.
Repare ainda o ressentimento do filho mais velho para com o pai: “Todos esses anos, tenho trabalhado como um escravo para o senhor…”. Ele revela que seus anos de serviço não foram fruto de amor pelo pai, desejo de agradá-lo ou alinhamento com os propósitos do pai. Ele se via como um escravo, e o pai, como um senhor injusto, “nunca [lhe dera] nem mesmo um cabrito”. A história termina com ele fora da festa. No meu coração eu gosto de imaginar que ele, como seu irmão mais novo, caindo em si, percebe seu erro e entra para aproveitar a festa.
Ao concluir, gostaria de desafiar você e a mim, a examinarmos nossos corações e nos perguntarmos: por que eu busco obedecer e servir ao Senhor? Será por amor, por desejo de agradá-lo, ou em busca de bênçãos e benefícios pessoais? Oro por mim e por você, para que nosso serviço seja por amor e que no final possamos dizer: “Somos servos inúteis; apenas cumprimos nosso dever” (Lucas 17.10).
Autor
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Daniel Lima (D.Min., Fuller Theological Seminary) serviu como pastor em igrejas locais por mais de 25 anos. Também formado em psicologia com mestrado em educação cristã, Daniel foi diretor acadêmico do Seminário Bíblico Palavra da Vida (SBPV) por cinco anos. É autor, preletor e tem exercido um ministério na formação e mentoreamento de pastores. Casado com Ana Paula há mais de 30 anos, tem quatro filhos, dois netos e vive no Rio Grande do Sul desde 1995. Ele estará presente no 26º Congresso Internacional Sobre a Palavra Profética, organizado pela Chamada.