A história do filho pródigo é marcada pela sua mudança de atitude no final. O que podemos enxergar nisso para ser aplicado às nossas vidas?
Um fato da existência humana é experimentar tristeza diante de escolhas erradas. Pode ser o menino que desobedeceu a sua mãe e é castigado. Ou o jovem que se envolveu com a turma errada no colégio e colheu os frutos de decisões irresponsáveis. Ou até mesmo o adulto que por um prazer passageiro sacrifica relacionamentos e compromissos de anos. O fato é que, com frequência, tomamos decisões por impulso, movidos por paixões ou interesses momentâneos e, com isso, chegamos a resultados que, na verdade, não queríamos. Nesse sentido, uma das definições de ser adulto é não ser levado apenas por desejos, mas por aquilo que acreditamos ser correto e melhor para nós.
Como ocorre o processo de reconhecer o erro e, mais importante, como podemos restaurar o que foi perdido com nosso erro? Nesta série sobre o capítulo 15 do evangelho de Lucas, esse tema surge na história dos dois filhos. Os versículos 11 a 20 descrevem o drama do filho mais novo que, tomando sua herança, desperdiçou tudo e veio a enfrentar a miséria. Enquanto estava nessa condição, se arrependeu e voltou para a casa do pai. Especificamente os versículos 17 a 20 descrevem o processo de arrependimento:
“Caindo em si, disse: ‘Quantos empregados do meu pai têm comida com fartura, e eu aqui morrendo de fome! Vou me levantar, voltar para o meu pai e dizer a ele: “Pai, pequei contra o céu e contra ti. Já não sou digno de ser chamado teu filho; trata-me como um dos teus empregados”’. A seguir, levantou-se e foi para o seu pai”.
O processo tem início com a expressão “caindo em si” no versículo 17. Literalmente, a expressão significa voltar-se para si. O fato é que esse filho para em sua vida e começa a refletir onde está e como chegou até ali. É um momento de honestidade e de encarar a realidade. Talvez ao longo do tempo ele havia ignorado todos os sinais de que sua vida o estava conduzindo para um desastre. No entanto, o momento da verdade finalmente chegou. Ele para e reflete sobre sua vida e os resultados de suas escolhas.
Não é possível seguir a Jesus enquanto não se avalia a própria vida.
Podemos afirmar que todo arrependimento verdadeiro passa por esse momento de reflexão sincera. Não é possível seguir a Jesus enquanto não se avalia a própria vida. Isso porque Jesus afirma a necessidade de negar-se a si mesmo (Lucas 9.23-25). E, se não me conheço, se não conheço a dinâmica de minha vida, não sei o que devo negar… Sua conclusão é que sua vida é um fracasso. Os servos e seu pai tinham uma vida melhor, colhiam resultados melhores. Há algo de trágico aqui. Ele provavelmente se deu conta não só que desperdiçou toda a sua herança, mas também que escolher um caminho para longe do pai foi uma péssima escolha.
Apesar de um primeiro passo fundamental, ele por si só não é suficiente. A tristeza pelas consequências frustrantes de nossas escolhas não é arrependimento, é remorso. Uma análise sincera de que nossa vida não tem seguido o caminho que sonhávamos ainda não nos faz voltarmo-nos para Deus. O próximo passo é o que faz essa tristeza se tornar arrependimento. O jovem toma uma decisão de mudar de rumo: “Eu me porei a caminho e voltarei para meu pai”.
O filho vislumbrou a graça do pai, mesmo sem conhecer a extensão dessa graça.
Ele não só faz um plano, mas este plano é o retorno ao pai. Recentemente, conversando com minha filha, ela falou que somente a graça abre a porta para o arrependimento. Isso pois caso eu não percebesse a graça de Deus, caso eu não tivesse esperança do perdão de Deus, voltar-me para ele seria o mesmo que destruir-me. Esse filho voltou para o pai pois sabia que este o acolheria, ainda que apenas como um servo… Ele vislumbrou a graça do pai, mesmo sem conhecer a extensão dessa graça.
Seu retorno então se baseou no caráter do pai, mas não apenas em seu caráter. Ele chegou também com o resultado de sua autoanálise. Ele chegou confessando que havia pecado. O caráter de Deus o atraiu, sua convicção de pecado o levou até o pai.
Não sei como tem sido sua vida cristã, mas diante dessa história eu me dou conta da centralidade do arrependimento na vida dos discípulos de Jesus. Não só para a conversão, mas como princípio de vida. Recordo-me então da famosa frase de Lutero na primeira de suas 95 teses: “Dizendo nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo: Arrependei-vos […], certamente quer que toda a vida dos seus crentes na terra seja contínuo arrependimento”. Oro para que essa postura de contínuo arrependimento marque minha vida e também a sua!
Autor
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Daniel Lima (D.Min., Fuller Theological Seminary) serviu como pastor em igrejas locais por mais de 25 anos. Também formado em psicologia com mestrado em educação cristã, Daniel foi diretor acadêmico do Seminário Bíblico Palavra da Vida (SBPV) por cinco anos. É autor, preletor e tem exercido um ministério na formação e mentoreamento de pastores. Casado com Ana Paula há mais de 30 anos, tem quatro filhos, dois netos e vive no Rio Grande do Sul desde 1995. Ele estará presente no 26º Congresso Internacional Sobre a Palavra Profética, organizado pela Chamada.