Ai, que Vontade que Tenho…

Todos nós desejamos ou queremos várias coisas. Como nossa vontade orienta nosso viver? Qual o seu papel na vida cristã?

Tenho o privilégio de ser casado com uma corredora. Ana Paula se levanta às seis da manhã, cinco vezes por semana, para correr ou fazer exercícios. Tenho um amigo que gosta de rali de carros. Ele não só investe em um velho jipe, como gasta muito do tempo que dispõe dirigindo em estradas que, para nós, seriam intransitáveis. Conheço alguém mais que é apaixonado por um estilo de música. Quando sua banda favorita lança um novo álbum, ele separa o tempo, coloca seu fone de ouvido e investe horas sentado, simplesmente apreciando a obra musical. Talvez você se identifique com um deles, ou com algum outro interesse. O que faz com que essas pessoas invistam tanto tempo no seu interesse? Entre várias expressões, uma que pode justificar essa dedicação é “vontade”.

O dicionário Oxford define vontade como:

 1. Faculdade que tem o ser humano de querer, de escolher, de livremente praticar ou deixar de praticar certos atos;

2. Força interior que impulsiona o indivíduo a realizar algo, a atingir seus fins ou desejos; ânimo, determinação, firmeza.

Vontade inclui desejo e escolha. Vontade não é um poder incontrolável, mas algo que motiva e deve permanecer sob domínio de quem o exerce. O autocontrole sobre nossa vontade é o que define a própria ideia de identidade. Cada uma das pessoas acima é caracterizada, em parte, pelo exercício de sua vontade. Isso não significa que esses interesses sejam uma absoluta prioridade em suas vidas. No entanto, certamente cada uma delas renuncia a outros possíveis envolvimentos para buscar a realização, em cada caso saudável, de suas vontades.

No Novo Testamento, a palavra vontade é bastante usada. Quando se refere a Deus, de forma geral, trata do desejo de Deus de que todos se salvem (por exemplo, Gálatas 1.4 ou 1Timóteo 2.4). Nessa última Páscoa, em meu tempo devocional, parei para refletir sobre Lucas 22.42: “Pai, se queres, afasta de mim este cálice; contudo, não seja feita a minha vontade, mas a tua”. Jesus orou essa frase logo antes de sua crucificação. Ele já sabia o que o aguardava. Sabia tanto do horrível sofrimento físico como da terrível experiência de tomar sobre si todo o pecado do mundo.

Eu creio que poucas frases resumem o evangelho e a vida cristã tão bem. Veja bem, a conversão é exatamente a renúncia de nossa vontade para seguir a vontade de Deus. A conversão inclui necessariamente uma mudança de atitude e comportamento em direção a Deus, envolvendo o reconhecimento, a confissão e o abandono do pecado. Em outras palavras: é o abandono de sua própria vontade por algo que se deseja ainda mais. Nesse caso, o desejo maior é a comunhão eterna com Deus (veja Filipenses 3.7-11).

A conversão é exatamente a renúncia de nossa vontade para seguir a vontade de Deus.

Quando falamos de santificação ou crescimento na vida cristã, mais uma vez tratamos de abandonar nossa própria vontade e nos submetermos à vontade de Deus. No capítulo 3 da carta aos Colossenses, Paulo nos exorta a abandonarmos nossa natureza terrena, que nos é natural, e buscarmos as “coisas que são do alto”.

Talvez a palavra mais direta sobre abandonarmos nossa vontade pela vontade de Deus foi expressa por Jesus em Lucas 9.23-24: 

“Jesus dizia a todos: ‘Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome diariamente a sua cruz e siga-me. Pois quem quiser salvar a sua vida a perderá, mas quem perder a própria vida por minha causa a salvará.’”

Paulo nos exorta a abandonarmos nossa natureza terrena, que nos é natural, e buscarmos as “coisas que são do alto”.

Repare na expressão: “Negue-se a si mesmo”. Como escrevi acima, a vontade é parte de nossa identidade. Assim como outros aspectos de minha identidade, a vontade foi dada por Deus. O problema é que, com a queda, mesmo nossa vontade foi distorcida. É preciso não apenas controlar nossa vontade, ou negociar com Deus quais aspectos de nossa vontade ele nos permite manter. Precisamos render a ele todo o nosso ser. Precisamos render a ele tudo o que somos, e, de modo especial, nossa vontade. Precisamos, na verdade, que ele nos transforme, inclusive nossa vontade, para que tenhamos uma nova identidade em Cristo.

Minha oração por mim mesmo e por você, meu irmão, é aquela que encontramos em Gálatas 2.20: “Estou crucificado com Cristo. Assim, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. A vida que agora vivo no corpo, vivo-a pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim”.

Autor

  • Daniel Lima (D.Min., Fuller Theological Seminary) serviu como pastor em igrejas locais por mais de 25 anos. Também formado em psicologia com mestrado em educação cristã, Daniel foi diretor acadêmico do Seminário Bíblico Palavra da Vida (SBPV) por cinco anos. É autor, preletor e tem exercido um ministério na formação e mentoreamento de pastores. Casado com Ana Paula há mais de 30 anos, tem quatro filhos, dois netos e vive no Rio Grande do Sul desde 1995. Ele estará presente no 26º Congresso Internacional Sobre a Palavra Profética, organizado pela Chamada.

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