Amor e Verdade

Muitas vezes somos tentados a esconder a verdade por amor. Será possível separar o amor da sinceridade?

É tão comum que já virou piada entre nós em casa. Volta e meia minha esposa e eu nos sentamos para assistir um filme tranquilo, “água com açúcar”, já que a maioria dos outros não dá para assistir. Em geral, isso inclui algum romance e é aí que a trama se repete. Um dos dois acaba ocultando algo sobre sua vida, passado ou presente, para não perder a pessoa amada. O segredo acaba sendo revelado e o romance quase acaba, até que quem foi enganado decide perdoar e tudo acaba bem. Nessa hora nossa reação é: por que não falar a verdade desde o princípio? A resposta dos filmes é: para não perder o amor!

Parece que amor é mais importante que a verdade. Assim, nessa linha de raciocínio, para garantir o amor é justificável deixar a verdade de lado. Essa distorção tem tomado conta de muitos ministérios no Brasil e fora. Pastores e líderes, talvez bem-intencionados, têm sacrificado a verdade no altar do “amor”. Na verdade, não é possível dissociar verdade de amor. A Bíblia afirma com a mesma ênfase que Deus é amor (1João 4.7-8) e que ele é verdade (João 14.6). Inclusive é essa dupla característica de Deus (amor e verdade) que nos dá segurança quanto ao seu cuidado por nós. Nos filmes que mencionei acima a mentira pode conviver com o amor, pois o amor ali não é verdadeiro. É mais uma busca de autossatisfação do que o amor descrito pela Bíblia e demonstrado por nosso Deus.

Não é possível dissociar verdade de amor. A Bíblia afirma com a mesma ênfase que Deus é amor e que ele é verdade.

Em passagens muito emblemáticas, vemos na prática essa realidade de amor/verdade. No evangelho de Marcos, capítulo 10, versículos 17 a 22, lemos a história do jovem rico que procurou a Jesus e lhe perguntou o que fazer para herdar a vida eterna. Jesus lhe responde com uma breve lista das exigências da Lei, justamente para que ele se desse conta de que é impossível agradar a Deus por obras. Ele, no entanto, respondeu com a típica arrogância dos religiosos que tudo isso ele vinha obedecendo desde sua adolescência, provavelmente desde seu bar mitzvá, aos 13 anos. Ao responder assim, ele não só mentiu, pois certamente não vinha obedecendo completamente a Lei, mas mais do que isso, ele ignorou o espírito da Lei, que é apontar nosso pecado e nossa necessidade de Deus.

Jesus passa então a aprofundar sua confrontação, para deixar evidente a esse jovem que ele precisava de Deus e que sua justiça pessoal não era suficiente. Que fantástico seria se ele pudesse ouvir o testemunho do apóstolo Paulo em Filipenses 3.7-11! De qualquer forma, uma expressão me chamou a atenção ao refletirmos sobre amor e verdade. No versículo 21 lemos: “E Jesus, fitando-o, o amou”. A confrontação nasceu desse amor profundo, real e concreto que Jesus, que é a própria definição de amor, manifestou pelo jovem.

Isso me leva a um compromisso essencial para todo cristão. O compromisso de falar a verdade em amor. Não é incomum sermos tentados a não falar a verdade em nome do “amor”. Isso ocorre desde situações em que alguém amado nos pergunta se gostamos de algo quando não gostamos, até situações muito mais sérias e comprometedoras. Uma das situações em que nosso amor é testado é quando vemos em um irmão em Cristo um comportamento que, na nossa opinião, é nocivo. Nossa primeira tendência é não falar nada, pois não queremos nos intrometer. Às vezes não queremos falar nada por medo de entrarmos em conflito. No entanto, Paulo tem uma outra instrução para nós em Gálatas 6.1-2:

“Irmãos, se alguém é surpreendido em alguma transgressão, vocês que são espirituais devem restaurá-lo com espírito de mansidão. Cuide-se, porém, cada um de não ser tentado. Levem os fardos uns dos outros e, assim, cumpram a lei de Cristo.”

O compromisso de falar a verdade em amor é essencial para todo cristão.

A ideia é que nós temos um compromisso de restaurarmos uns aos outros, sempre com um espírito manso e humilde, com temor de nossos próprios pecados. Se amo o irmão, preciso ter amor suficiente para confrontá-lo com a verdade. Primeiro, porque o amor nunca pode ser separado da verdade. Segundo, porque, se amamos realmente, apresentar a verdade será um enorme benefício a essa pessoa. Apresentar a verdade, mesmo em espírito humilde, pode gerar conflitos, mas o amor verdadeiro é também sacrificial. Minha oração por mim e por você, meu amigo leitor ou leitora, é para que sejamos comprometidos com o amor e a verdade em todos os nossos relacionamentos.

Autor

  • Daniel Lima

    Daniel Lima (D.Min., Fuller Theological Seminary) serviu como pastor em igrejas locais por mais de 25 anos. Também formado em psicologia com mestrado em educação cristã, Daniel foi diretor acadêmico do Seminário Bíblico Palavra da Vida (SBPV) por cinco anos. É autor, preletor e tem exercido um ministério na formação e mentoreamento de pastores. Casado com Ana Paula há mais de 30 anos, tem quatro filhos, dois netos e vive no Rio Grande do Sul desde 1995. Ele estará presente no 26º Congresso Internacional Sobre a Palavra Profética, organizado pela Chamada.

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