Em vista de tanto sofrimento e dor que vivenciamos nesta terra, como podemos conciliar isso com um Deus bom e soberano?
Assistindo a um filme esses dias, ouvi novamente um antigo argumento para negar a existência de Deus. Em uma situação de tragédia, uma jovem é questionada se crê em Deus e ela responde que não, pois “como poderia um Deus permitir tudo isso?”. Nesses últimos meses, tenho pesquisado sobre o tema “desconstrução da fé”. Assim é chamado o processo de alguém que afirma ter fé em Jesus e, pouco a pouco, começa a duvidar e eventualmente assume que não tem mais fé. Isso tem ocorrido com muitos jovens durante o período de universidade e vários líderes evangélicos, tanto pastores como músicos.
Muito embora as histórias sejam as mais variadas, em muitos desses casos há um elemento em comum. Esse elemento é uma crise existencial diante da dor ou do sofrimento, seja o seu próprio ou de outros. Para alguns, é um museu onde estão expostos centenas de crânios de inocentes mortos sob algum regime, para outros, é uma foto de uma mãe morrendo de fome com seu filho já morto nos braços. Para outros ainda, pode ser a ala de oncologia pediátrica. O fato é que essas duras realidades nos levam a questionar se Deus é bom ou se é Todo-poderoso. Ou ele não consegue impedir, e por isso é um deus fraco, ou ele quer que isso aconteça, portanto, é um deus mau.
Existem pelo menos três respostas a essas indagações, que não diminuem nosso espanto diante do sofrimento, mas nos permitem equacionar nossas dúvidas e levá-las a Deus. A primeira e mais fácil resposta é que muitos dos males são simplesmente resultado da maldade humana. O exemplo do genocídio mencionado acima pode ser facilmente explicado quando se crê que o homem, tendo rompido com Deus, assumiu para si a capacidade de definir o que é certo ou errado (Gênesis 3.4). A morte de inocentes, não importa qual a motivação, no fundo tem como razão a moral distorcida do ser humano, definindo o que é o bem e o que é o mal. Curiosamente, o apóstolo Paulo já alertou a Timóteo, em 2Timóteo 3.1-5, que os homens seriam “inimigos do bem” e que, mesmo sabendo de seus erros, eles os promoveriam e incentivariam outros a fazer o mesmo.
Muitos dos males são simplesmente resultado da maldade humana.
A questão da fome pode parecer um ato sem relação com o pecado humano, mas isso não é verdade. A destruição do meio ambiente, causando desequilíbrio ecológico, matando animais e causando a falência da agricultura é muitas vezes responsável pela fome. Ao mesmo tempo, com os recursos e tecnologia de hoje, o problema da fome seria facilmente resolvido caso aqueles que detêm o poder se esforçassem por isso. Antes de sermos simplistas e acusarmos apenas os que estão no poder, precisamos reconhecer que estes estão ali pois promoveram ideais ou propostas que atraíram muitos. Ou seja, governantes são um reflexo dos valores de seu povo.
Crer que Deus é bom, que ele é soberano e, ao mesmo tempo, que o mal existe, é um mistério.
Mas há ainda circunstâncias em que parece não haver nenhuma interferência humana direta ou indireta. Este pode ser o caso da ala de oncologia pediátrica. Como pode um Deus bom permitir que crianças sofram? Parece uma contradição, não? No entanto, uma contradição é quando duas afirmativas negam uma à outra. Por exemplo, se afirmo que Jesus é Deus e, ao mesmo tempo, afirmo que ele não é Deus. Isso é uma contradição. Por outro lado, existem “antinomias”. Antinomias são definidas assim por J. I. Packer:
“Dá-se uma antinomia quando dois princípios são postos lado a lado, aparentemente irreconciliáveis, mas ambos inegáveis. Existem razões convincentes para que se creia em ambos; cada qual repousa sobre evidência clara e sólida; mas é um mistério que ambas as afirmações possam estar em harmonia um com o outro.”
Crer que Deus é bom, que ele é soberano e, ao mesmo tempo, que o mal existe, é um mistério. Minha oração é que, diante dos mistérios que enfrentamos o tempo todo, você e eu continuemos a correr para ele, confiando que, sim, ele tem as respostas para o nosso dia a dia. Nessas horas, consolo-me com as palavras de Davi no salmo 23. Quem sabe você também não possa investir um tempo refletindo sobre essa passagem?
Autor
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Daniel Lima (D.Min., Fuller Theological Seminary) serviu como pastor em igrejas locais por mais de 25 anos. Também formado em psicologia com mestrado em educação cristã, Daniel foi diretor acadêmico do Seminário Bíblico Palavra da Vida (SBPV) por cinco anos. É autor, preletor e tem exercido um ministério na formação e mentoreamento de pastores. Casado com Ana Paula há mais de 30 anos, tem quatro filhos, dois netos e vive no Rio Grande do Sul desde 1995. Ele estará presente no 26º Congresso Internacional Sobre a Palavra Profética, organizado pela Chamada.