Cristão Aposentado

A aposentadoria é o sonho de muitos. Finalmente poder descansar após anos de trabalho. Como cristãos, será que também podemos sonhar assim? 

Nos últimos 150 anos, o ideal da aposentadoria se tornou um direito adquirido no mundo ocidental, pelo menos entre aqueles que têm recursos para usufruir deste privilégio. Com o prolongamento da expectativa de vida e a popularização desse ideal de aposentadoria, o sonho é parar de trabalhar e viver uma vida de conforto, relaxamento, passeios e busca de interesses. No entanto, deveria ser esse o ideal do cristão?

Policarpo foi um discípulo do apóstolo João, e eventualmente se tornou o bispo de Esmirna, na Ásia Menor, hoje Turquia. Registros históricos apontam que ele foi morto pelo Império Romano, curiosamente acusado de ateísmo, pois se recusava a reconhecer a divindade do imperador. Ao ser levado diante do governador que ordenaria sua morte, ele já tinha 85 anos. Segundo o relato de documentos da época, quando insistiram com ele para que negasse a Cristo e adorasse o imperador, ele respondeu: “Há oitenta e cinco anos eu tenho sido o seu servo, e ele nunca me faltou. Como blasfemarei contra o meu rei que me salvou?”. Finalmente, Policarpo foi queimado, embora relatos afirmem que seu corpo não foi consumido e, por fim, foi apunhalado até a morte.

Pode parecer, para a mentalidade moderna, que um idoso de 85 anos deveria estar aproveitando sua aposentadoria e não enfrentando o martírio. Mesmo para aqueles que o admiram, sua experiência pode parecer algo único e uma clara demonstração de um chamado especial. No entanto, precisamos perguntar: não seria esse um modelo de final de vida de um cristão?

Em um artigo chamado “A Armadilha da Aposentadoria”, publicado na revista de missiologia Mission Frontiers, o conhecido estudioso Ralph Winter escreveu:

A maioria dos homens não morre de idade avançada, eles morrem de aposentadoria. Tenho lido que metade dos homens aposentados no estado de Nova Iorque morrem dentro de dois anos. Salve sua vida ou você vai perdê-la. Como outras drogas, ou dependência psicológica, aposentadoria é uma doença viral, não uma benção… Onde na Bíblia você vê aposentadoria? Moisés se aposentou? Paulo se aposentou? Pedro? João?

A questão não se refere a parar sua atividade profissional, mas por que você tem esta atividade. A grande maioria dos cristãos afirma que trabalha para ter o sustento com o qual cuidar de suas famílias e investir no Reino de Deus. Muitos ao redor do mundo, ao longo de toda história, trabalhavam até a morte ou a invalidez. Hoje em dia no Brasil, muitos de nós podemos pensar em aposentadoria. Assim, quando não precisarmos mais trabalhar, teoricamente por termos condições financeiras de viver sem a atividade profissional, o que faremos com esse tempo? Vamos planejar viagens, comprar um sítio, mudar para a praia? Diante dessa “novidade” da aposentadoria, como vamos aproveitá-la? 

Assim, quando não precisarmos mais trabalhar, teoricamente por termos condições financeiras de viver sem a atividade profissional, o que faremos com esse tempo?

Eu creio que a questão está centrada em nosso verdadeiro propósito. Não fomos criados para ganhar dinheiro, mas para proclamarmos as grandezas daquele que nos chamou das trevas para sua maravilhosa luz (1Pedro 2.9). Salmos 71.18 nos dá uma direção da proposta de Deus para esse período: 

“Agora que estou velho, de cabelos brancos, não me abandones, ó Deus, para que eu possa falar da tua força aos nossos filhos, e do teu poder às futuras gerações.”

Idealmente, a aposentadoria nos dá um tempo em que podemos nos dedicar inteiramente ao nosso verdadeiro chamado. Talvez seu chamado seja ouvir pessoas, talvez seja cuidar dos necessitados, talvez seja compartilhar sua fé, ou compartilhar com os mais jovens sua experiência e caminhada com Deus. Quando meu pai se aposentou, ele e minha mãe começaram um ministério com os jovens casais em sua igreja, que durou até o momento em que a idade dele os impediu de continuar. Sei de um missionário que, ao se aposentar, ao invés de retornar ao seu país de origem, decidiu passar seus últimos anos no Brasil, investindo em jovens pastores. Ouvi de uma igreja em que as senhoras aproveitavam essa fase de vida para se organizar e “doar” um dia por semana servindo às jovens mães com filhos pequenos em casa. As oportunidades são infinitas.

Idealmente, a aposentadoria nos dá um tempo em que podemos nos dedicar inteiramente ao nosso verdadeiro chamado.

João registra as palavras de Jesus para Pedro em João 21.19: “Jesus disse isso para indicar o tipo de morte com a qual Pedro glorificaria a Deus”. Estou aposentado há quase dois anos e tenho o privilégio de estar intensamente envolvido em ministério. Deixe-me encorajar você a se perguntar: “Como posso glorificar a Deus nessa fase de aposentadoria?”, ao invés de: “Como posso aproveitar ao máximo essa fase curtindo minha vida?”. Minha profunda convicção é que, diante da primeira pergunta, você encontrará muito mais realização e alegria no Senhor.

Autor

  • Daniel Lima (D.Min., Fuller Theological Seminary) serviu como pastor em igrejas locais por mais de 25 anos. Também formado em psicologia com mestrado em educação cristã, Daniel foi diretor acadêmico do Seminário Bíblico Palavra da Vida (SBPV) por cinco anos. É autor, preletor e tem exercido um ministério na formação e mentoreamento de pastores. Casado com Ana Paula há mais de 30 anos, tem quatro filhos, dois netos e vive no Rio Grande do Sul desde 1995. Ele estará presente no 26º Congresso Internacional Sobre a Palavra Profética, organizado pela Chamada.

    Ver todos os posts

Artigos relacionados

A morte nunca é algo fácil. No entanto, podemos ficar dessensibilizados a ela. Como a morte dos cristãos afeta o...