Como enxergamos nossa salvação? Como uma ação única e isolada, ou algo que influencia toda a nossa vida?
Conta-se a piada de um casal que foi procurar o pastor para aconselhamento. Diante do pastor, a mulher se queixou de que o marido nunca dizia que a amava, nunca fazia nada por ela, nunca mostrava interesse. Após ouvir essas queixas, o pastor perguntou ao marido o que ele tinha a dizer. Este respondeu muito sério: “No dia de nosso casamento, eu disse que a amava e, se algum dia eu mudasse de ideia, eu a avisaria. Nunca precisei avisar…”.
A situação absurda demonstra como muitos cristãos entendem sua salvação. Afirmam ter tomado uma decisão e nada fazem para cultivar ou fazer crescer essa relação. Na verdade, a salvação não é documento jurídico com um atestado de direito à vida eterna. A salvação é um relacionamento. Em João 17.3, lemos Jesus descrevendo assim a própria vida eterna: “Esta é a vida eterna: que te conheçam, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste”.
Repare que a vida eterna não é definida por sua duração eterna, ou pelo local maravilhoso em que vamos habitar. Tampouco é definida pelo corpo transformado que iremos ter ou mesmo pela comunhão com os santos de todas as eras. A vida eterna é definida como conhecer a Deus. Uma vez que, mesmo após a ressurreição, seremos seres criados e limitados, e sendo Deus infinito, passaremos a eternidade crescendo nesse relacionamento com ele.
A vida eterna é definida como conhecer a Deus. Sendo Deus infinito, passaremos a eternidade crescendo nesse relacionamento com ele.
Por isso é que o Espírito revelou por meio de Paulo nosso dever de “por em ação” ou desenvolver nossa salvação. Em Filipenses 2.12-13, ele escreve:
“Assim, meus amados, como sempre vocês obedeceram, não apenas na minha presença, porém muito mais agora na minha ausência, ponham em ação a salvação de vocês com temor e tremor, pois é Deus quem efetua em vocês tanto o querer quanto o realizar, de acordo com a boa vontade dele.”
O sentido da expressão “ponham em ação” é de realizar, executar, cultivar algo. E nesse versículo isso está intimamente ligada à obediência, ao temor e tremor diante de Deus. Essa é a consequência natural (ou sobrenatural) de se conhecer a Deus – quanto mais o conhecemos, mais queremos conhecê-lo e mais queremos viver em sua presença. Aliás, se há algum teste de sua própria salvação é este: verifique se sua vontade de conhecer a Deus, de alinhar sua vida com a vontade dele tem crescido. Se não tem, ou você está resistindo ao Espírito Santo, o que pode levá-lo a naufragar na fé (vide 1Timóteo 1.19), ou talvez você simplesmente nunca tenha se tornado um filho de Deus. Paulo segue no versículo 13, afirmando que a desculpa de que não temos vontade, na verdade, é algo preocupante, pois a própria vontade é dada por Deus. O desejo pela transformação é evidência da habitação do Espírito Santo.
Isso não significa, evidentemente, que não desejamos mais o mal. Paulo trata muito desse dilema em Romanos 6 e 7. Ali ele evidencia que com a carne (natureza humana) desejamos o pecado, mas com o espírito, vida de Cristo em nós, desejamos a vontade de Deus.
O desejo pela transformação é evidência da habitação do Espírito Santo.
Nos versículos 14 a 18, Paulo segue encorajando os filipenses a uma contínua transformação. Ele os exorta a seguir o processo de transformação com um coração grato e uma alegria que vem do Espírito. Assim não só teremos uma vida pura, mas faremos a diferença onde estivermos. É muito reveladora a ênfase em reter a palavra da vida. A expressão significa reter o evangelho. Nossa ênfase, seja tratando de nossas vidas ou ajudando outros a crescer, não deve ser o esforço pessoal, mas o poder do evangelho. Se não tem havido transformação, não estamos aplicando ou crendo no próprio evangelho.
A essência desse evangelho é o fato de que somos pecadores e que somente confiando na redenção oferecida por Jesus somos habitados pelo Espírito, que então nos dá nova vida (Gálatas 2.20). E é por meio do ministério do Espírito que somos transformados. Por isso, Paulo nos exorta repetidamente a fazer morrer nossa natureza terrena e nos revestirmos da nova vida. Uma vez mais, o destaque é fazer morrer (Colossenses 3.5-11), ação pela qual eu rejeito e nego os pensamentos e comportamentos que me seriam naturais, no entanto, pecaminosos. Paralelamente, sou desafiado a me revestir (ou deixar-me revestir; Colossenses 3.12-17) da nova vida que vem do Espírito Santo.
Minha oração é que o desafio de cultivar nossa salvação faça parte constante de seu dia, assim como do meu. Uma vez que nos deixarmos moldar pelo mover do Espírito, então sim brilharemos “como estrelas no universo”.
Autor
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Daniel Lima (D.Min., Fuller Theological Seminary) serviu como pastor em igrejas locais por mais de 25 anos. Também formado em psicologia com mestrado em educação cristã, Daniel foi diretor acadêmico do Seminário Bíblico Palavra da Vida (SBPV) por cinco anos. É autor, preletor e tem exercido um ministério na formação e mentoreamento de pastores. Casado com Ana Paula há mais de 30 anos, tem quatro filhos, dois netos e vive no Rio Grande do Sul desde 1995. Ele estará presente no 26º Congresso Internacional Sobre a Palavra Profética, organizado pela Chamada.