O reino vindouro de Deus: a comprovação bíblica de um reino milenar na terra.
A expectativa do céu é uma esperança central da fé cristã. É o alvo para o qual nos dirigimos e a promessa que nos proporciona força e consolo. Todavia, por que a Bíblia também fala de um reino de
Deus na terra? Não bastaria a expectativa do céu? Os cristãos primitivos estavam convictos de que o reino terreno é tão importante quanto o celeste. Por quê? Porque completará o plano de Deus para a terra – ali onde o pecado e a injustiça dominam desde a Queda, Jesus Cristo mostrará como Deus planejou este mundo originalmente.
O fundamento bíblico: o reino de Deus na terra
Jesus já ensinou isso no “Pai nosso”: “Venha o teu Reino; seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu” (Mateus 6.10). Fica claro aqui que a vontade de Deus não deverá ser cumprida plenamente apenas no céu, mas também na terra. Isso expressa a esperança de um tempo futuro no qual o reinado de Deus se tornará visível na terra. Essa era também a expectativa dos discípulos. Em Atos 1.6 eles perguntam a Jesus: “Será este o tempo em que o Senhor irá restaurar o reino a Israel?”. A resposta de Jesus não foi negativa, mas indicou que o momento estaria exclusivamente nas mãos do Pai.
Em Atos 3.21, Pedro referiu-se a um “até” – um período durante o qual o céu haveria de receber Jesus, até que chegassem “os tempos da restauração de todas as coisas, de que Deus falou por boca dos seus santos profetas desde a antiguidade”. Esse “até” indica que o plano de Deus para a terra ainda não se completou. O reino vindouro será a restauração da terra tal como Deus a criou originalmente.
Os cristãos primitivos também tinham uma clara expectativa de um reino terrestre. Pápias, um mestre cristão do século 2, escreveu: “Depois da ressurreição dos mortos, virão mil anos durante os quais o reino de Cristo se estabelecerá visivelmente na terra”. Tertuliano também confessa que “temos a promessa de um reino na terra que após a ressurreição persistirá por mil anos na cidade de Jerusalém edificada por Deus”.
Essa esperança estava firmemente enraizada nos ensinos de Jesus e dos apóstolos. Os ouvintes judeus de Jesus também viviam na expectativa de que o Messias estabeleceria um reino na terra. Essa promessa está presente em todo o Antigo Testamento, no qual profetas como Isaías e Zacarias anunciam o reinado do Messias sobre a terra (p. ex., Isaías 11.1-9; Zacarias 14.9).
A razão da necessidade de um reino terreno
Desde a Criação, a terra nunca experimentou um governo justo e santo. A queda no pecado trouxe destruição, sofrimento e imperfeição. Todos os sistemas humanos – sejam o comunismo, o capitalismo ou outras ideologias – tentaram criar uma sociedade justa, mas fracassaram. O comunismo prometeu igualdade e justiça, mas trouxe pobreza e morte. O capitalismo possibilitou o progresso econômico, mas muitas vezes à custa de desigualdade e exploração. Nenhum governo humano conseguiu efetivar o paraíso na terra.
“Vamos transformar espadas em arados”: o sonho de paz da humanidade
Uma ilustração impressionante do sonho humano por um mundo melhor é a escultura “Vamos transformar espadas em arados” diante da sede das Nações Unidas em Nova York. Essa obra, criada pelo artista soviético Yevgeny Vuchetich, apresenta um ferreiro ocupado em transformar uma espada em uma relha de arado. Trata-se de uma representação simbólica da esperança por um mundo sem guerra e violência. A escultura remonta diretamente às palavras proféticas de Isaías 2.4:
“Ele julgará entre as nações e corrigirá muitos povos. Estes transformarão as suas espadas em lâminas de arados e as suas lanças, em foices. Nação não levantará a espada contra nação, nem aprenderão mais a guerra.”
A União Soviética ofereceu essa escultura de presente como expressão da sua visão de um mundo mais justo e pacífico, no qual a violência seria superada e a energia humana investida na edificação de uma sociedade ideal. Contudo, apesar desse símbolo impressionante, o sistema comunista não conseguiu cumprir a promessa. Em vez disso, ele muitas vezes resultou em opressão, pobreza e sofrimento. A utopia de um “admirável mundo novo” fracassou diante da realidade da natureza humana marcada pelo pecado.
No entanto, as palavras de Isaías nos lembram de que esse sonho não pode ser realizado por esforços humanos ou sistemas políticos. A efetivação definitiva dessa paz só se tornará realidade pelo domínio de Jesus Cristo no reino messiânico. Só ele consegue transformar o coração humano e criar um mundo no qual as armas serão supérfluas e a justiça predomine permanentemente. A escultura permanece como um símbolo comovente, mas ela também mostra que, em última análise, o anseio por paz só será satisfeito no reino de Deus.
Huxley, Orwell e os limites das utopias humanas
A escultura “Vamos transformar espadas em arados” simboliza o profundo anseio da humanidade por um mundo melhor e pacífico. No entanto, assim como Aldous Huxley e George Orwell descreveram respectivamente em Admirável Mundo Novo e 1984, os sonhos de uma sociedade ideal criados pelo homem muitas vezes acabam em distopias. Ambos os autores analisaram com visão aguda o porquê de as tentativas humanas de criar um mundo justo e harmônico acabam fracassando: elas ignoram a realidade da natureza humana e sua pecaminosidade profundamente arraigada.
O admirável mundo novo de Huxley apresenta um mundo orientado por controle tecnológico, prazer e pretensa perfeição. Contudo, por trás da fachada de harmonia, se esconde um assustador estranhamento e opressão da humanidade.
Orwell, por sua vez, descreve em 1984 um mundo totalitário, no qual o poder é sustentado por vigilância, mentiras e violência. Ambas as obras desmascaram o lado tenebroso das utopias humanas: as tentativas de criar um mundo perfeito muitas vezes acabam em tirania e em perda da liberdade. É a melhora moderna do mundo: o sonho do paraíso tecnológico e ecológico.
O historiador Yuval Noah Harari é um dos principais pensadores que divulgam um progresso evolucionário e tecnológico como chave para a melhoria da humanidade.
Em seus livros Homo Deus e Sapiens, Harari descreve a história da humanidade em forma de desenvolvimento contínuo, desde a sobrevivência até o autoempoderamento. Sua visão de um futuro melhor baseia-se na suposição de que seria possível o homem tornar-se uma espécie de deus por meio de progressos tecnológicos e científicos. Mediante inteligência artificial, tecnologia genética e biológica, Harari vê a possibilidade de superar as limitações naturais do corpo e do espírito humano. Seria possível vencer doenças, retardar o envelhecimento e até eliminar a morte. Harari chama isso de “transição do Homo sapiens para o Homo deus”, ou seja, do homem racional para o deus-homem.
No entanto, essa visão tem um lado tenebroso. O próprio Harari alerta que as novas tecnologias nas mãos de algumas poucas elites podem aumentar a injustiça e a opressão. O progresso tecnológico também não consegue melhorar a natureza humana. Tal como Huxley e Orwell já analisaram, toda utopia implica o perigo de acabar numa realidade distópica.
Paralelamente aos progressos tecnológicos, o mundo enfrente uma luta sem precedentes contra a crise climática. Governos, ativistas e cientistas fazem de tudo para preservar o planeta contra a ameaça de destruição. A neutralidade climática, energias renováveis e a redução das emissões de CO2 tornaram-se metas prioritárias da política global. Muitos veem nessas providências a chave da salvação da terra. No entanto, tal como na construção da Torre de Babel (Gênesis 11), também aqui se manifesta uma húbris do ser humano. Apesar de todos os esforços, a Criação permanece sob a influência do pecado. Romanos 8.20-22 lembra-nos de que a Criação está “sujeita à vaidade” e que “geme e suporta angústias até agora”. A tentativa humana de salvar o planeta muitas vezes ignora a soberania de Deus e o fato de que a cura definitiva da terra não ocorrerá por mãos humanas, mas pela intervenção de Deus no reino futuro.

Missão como transformação da sociedade
Também no movimento evangélico existem esforços para melhorar o mundo. Ali predomina a ideia de que a igreja não se limita a proclamar a mensagem do evangelho, mas também trabalha ativamente para transformar o mundo em um lugar de paz e justiça. A clássica noção de missões que marcou a igreja por séculos concentrava-se na proclamação do evangelho e no ministério da reconciliação. A igreja se enxergava como o sujeito das missões – sua tarefa era proclamar o evangelho, conduzir pessoas a Cristo e fundar igrejas. A mensagem do apóstolo Paulo em 2Coríntios 5.18-20 esclarece isso: Jesus Cristo “nos deu o ministério da reconciliação… Portanto, somos embaixadores em nome de Cristo, como se Deus exortasse por meio de nós”.
Para Paulo, a salvação do indivíduo por meio da proclamação da graça de Deus era a questão central. Seu objetivo primário não era a transformação da sociedade, mas a salvação de almas e a reunião de pessoas para formar a comunidade de Deus. Na noção moderna de missões, a missão é entendida cada vez mais como instrumento de transformação da sociedade. Os defensores dessa posição veem a missão da igreja não mais apenas na proclamação do evangelho, mas também na configuração da sociedade e da política. O objetivo é transformar o mundo num lugar de paz e justiça a fim de efetivar o reino de Deus já aqui e agora.
Essa abordagem orienta-se na visão de uma melhoria do mundo tal como também pode ser encontrada em movimentos seculares. O foco se desloca da perspectiva da eternidade para uma agenda terrena. Cria-se a expectativa de que a igreja possa transformar a sociedade de tal modo que, por meio de programas sociais, influência política e iniciativas ecológicas, o reino de Deus se torne visível na terra.
O próprio Jesus deixou claro que seu reino não é deste mundo (João 18.36). Embora os cristãos devam ser sal e luz no mundo (Mateus 5.13-14), a Bíblia mostra que a natureza caída do mundo não permite sua plena renovação antes que Cristo retorne.
Sem o domínio de Deus, todas as tentativas de criar o paraíso na teRra serão defeituosas e incompletas.
Sem o domínio de Deus, todas as tentativas de criar o paraíso na terra serão defeituosas e incompletas. Jeremias 17.9 nos adverte sobre isso: “Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto. Quem poderá entendê-lo?”. Nenhum sistema político, nenhuma ideologia e nenhuma tecnologia podem transformar o coração humano ou eliminar a raiz do problema – o pecado.
A verdadeira esperança repousa unicamente na promessa divina de um reino vindouro governado pelo próprio Jesus Cristo. Somente sob o seu perfeito reinado se formará um mundo efetivamente justo, pacífico e perfeito – um mundo que não será uma distopia, mas o verdadeiro paraíso.
Deus criou o mundo com um propósito: que fosse um lugar de plena harmonia e justiça. Se Deus simplesmente destruísse esta terra ou se o seu reino fosse apenas espiritual e transcendente, sem atingir seu propósito original, ele se revelaria um fracasso. Deus, porém, não fracassa. Seu plano será cumprido, e isto por meio do reinado de Jesus Cristo na terra.
Charles Ryrie expressou isto assim: “Jesus precisa triunfar onde ele aparentemente foi vencido”. Sua rejeição pelos soberanos deste mundo ocorreu na terra (1Co 2.8), e por isso sua exaltação também precisa ocorrer na terra. Esse reino vindouro será a resposta definitiva à rebelião da humanidade. Ele revelará como Deus imaginou o mundo originalmente – justo, santo e em plena paz.
A restauração da terra
Por que é necessário haver um reino na terra? A resposta reside no caráter de Deus. Ele é um Deus da restauração. No livro de Isaías lemos a respeito de um tempo em que o deserto florescerá e o lobo viverá junto com o cordeiro (Isaías 11.6-9). Essas imagens descrevem a harmonia que o reino vindouro proporcionará. O apóstolo Paulo comenta em Romanos 8.19-21 que toda a criação geme e espera ser libertada da servidão e da transitoriedade. Essa ansiosa espera da criação será satisfeita no reino messiânico.
O reino como testemunha da glória de Deus
O reino terreno é necessário não apenas para cumprir o plano original de Deus, mas também para revelar a glória dele. Jesus governará em um mundo que havia sido marcado pelo pecado, e demonstrará como seu reinado é perfeito e justo. Apocalipse 20.4-6 descreve esse reinado milenar no qual os crentes governarão com Cristo. Esse reino será um testemunho de que Deus não deixa de cumprir nenhuma das suas promessas. Ele demonstra que o plano de Deus é maior que o fracasso humano e que sua vitória sobre o pecado e a morte abrange tudo – no céu e na terra.
O reino terreno é necessário não apenas para cumprir o plano original de Deus, mas também para revelar a glória dele.
O reino terreno de Deus não é um adendo opcional, mas parte central do plano de Deus antes do início da eternidade. É o local em que Cristo triunfará, em que ele transforma a injustiça em justiça, conduzindo o mundo de volta à sua glória original. Será um testemunho visível da fidelidade e do poder de Deus. Por isso oramos confiantes: “Venha o teu reino!”, porque sabemos que esse reino trará consigo um mundo justo, são e perfeito – assim como Deus o planejou desde o início.
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Andreas Heimbichner é o deão acadêmico da Bibel- und Missionsschule Ostfriesland, na Alemanha, onde ensina hebraico bíblico, judaísmo e Antigo Testamento.
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