O que Jesus quis dizer quando afirmou que certas pessoas não “podem” ser seus discípulos? Qual ensino podemos retirar dessas passagens?
Uma realidade conhecida por aqueles que seguem a Jesus há algum tempo é que a Palavra de Deus é viva. Por isso é comum que, ao estudarmos uma passagem conhecida em atitude devocional, podemos ser desafiados de forma diferente. Não significa que a passagem tenha outro sentido, mas sim que a verdade expressa pode ganhar outra aplicação em nossas vidas. Nestes últimos meses, tenho estudado o evangelho de Lucas. Tenho lido e meditado com bastante calma e de forma lenta. É impressionante como passagens que eu já estudei antes ganham um novo impacto em minha vida. Deixe-me dar um exemplo.
Na semana passada, li o texto de Lucas 14.25-35. Uma vez mais observei as características do discípulo e aquelas atitudes que impedem alguém de ser um discípulo. No entanto, desta vez fui estudar a palavra traduzida por “pode” nos versículos 26, 27 e 33. Ali Lucas registra as palavras de Jesus por três vezes afirmando que aquele que tiver essa atitude “não pode ser meu discípulo”. Paralelamente a esse estudo, eu estava preparando uma mensagem sobre João 15. Ali Jesus repete nos versículos 4 e 5 que “sem mim vocês não podem fazer nada”.
Na minha mente, a expressão em Lucas indicava uma proibição. Em outras palavras, se você amar a alguém mais do que a Deus você está proibido de ser meu discípulo. Nesse sentido, a passagem tem um papel exortativo. No entanto, ao estudar a palavra “poder” no original (dunamai), seu significado não é proibição, mas capacidade. Assim, a expressão tanto em Lucas 14 como em João 15 poderia ser traduzida por “não consegue, não tem capacidade”.
Isso muda a aplicação da passagem de forma profunda. Tanto em Lucas como em João Jesus está declarando que algumas coisas estão além de nossa capacidade. Em Lucas 14.26 sua mensagem é: se você amar alguém mais do que a mim, você não conseguirá ser meu discípulo. No versículo 27 é: se você não carregar sua cruz e me seguir, você não conseguirá ser meu discípulo. E, por fim, no versículo 33: se você não renunciar a tudo, você não conseguirá ser meu discípulo.
Tanto em Lucas como em João Jesus está declarando que algumas coisas estão além de nossa capacidade.
Se você, como eu, cresceu em uma igreja evangélica, você certamente já pensou: “Preciso me esforçar mais! Preciso amar mais as pessoas, preciso ser mais santo!”. Muito embora isso seja verdade, a instrução de Jesus nesta passagem e em João 15.5 é radical: você não consegue sem mim! Nossa luta então não é para sermos mais aplicados ou mais esforçados, mas procurar estar mais próximos dele, permanecermos mais em sua presença.
Na verdade, esse foi o erro dos fariseus. Eles estudavam as Escrituras e buscavam cumpri-las à risca. No entanto, buscar uma transformação com base em nossas forças tem dois efeitos: se conseguimos alguma mudança, temos do que nos gloriar, o que contraria Efésios 2.8-9. Se não conseguimos, desistimos ou “adaptamos” os padrões para que se encaixem àquilo que conseguimos. Assim, o propósito da Lei é demonstrar nosso pecado e a santidade de Deus, o que nos leva a buscar o perdão de nossos pecados em Jesus.
A proposta de Jesus é que o caminho do discipulado passa necessariamente por amar a Deus mais do que qualquer outra pessoa, tomar sua cruz e renunciar a tudo. Isso significa que o caminho do discipulado não é difícil, mas sim impossível por nossas próprias forças. Por isso, em Mateus 11.28-30, Jesus afirma:
“Venham a mim todos os que estão cansados e sobrecarregados, e eu darei descanso a vocês. Tomem sobre vocês o meu jugo e aprendam de mim, porque sou manso e humilde de coração, e vocês encontrarão descanso para a alma. Pois o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve”.
O desafio do discipulado para nós então não é um esforço para um aprimoramento moral. Não é uma questão da força de seu caráter em produzir as transformações que são necessárias. O desafio do discipulado está em renunciar, tomar sua cruz e morrer para si mesmo. Esse ato de rendição é fruto de um arrependimento profundo, de uma entrega de quem percebeu que não há outro caminho.
O desafio do discipulado está em renunciar, tomar sua cruz e morrer para si mesmo.
Dessa forma, quem não pode ser discípulo? Aquele que acredita que consegue seguir a Jesus sem uma rendição completa, aquele que acha que pode por si só satisfazer a santidade de Deus. Minha oração é que, a cada dia, eu e você aprendamos a tomar nossa cruz e seguir no caminho do discipulado.
Autor
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Daniel Lima (D.Min., Fuller Theological Seminary) serviu como pastor em igrejas locais por mais de 25 anos. Também formado em psicologia com mestrado em educação cristã, Daniel foi diretor acadêmico do Seminário Bíblico Palavra da Vida (SBPV) por cinco anos. É autor, preletor e tem exercido um ministério na formação e mentoreamento de pastores. Casado com Ana Paula há mais de 30 anos, tem quatro filhos, dois netos e vive no Rio Grande do Sul desde 1995. Ele estará presente no 26º Congresso Internacional Sobre a Palavra Profética, organizado pela Chamada.