O Rico e o Reino de Deus

Em todo o mundo, as pessoas costumam sempre buscar ter mais do que possuem. Qual a relação que um cristão deve ter com as riquezas materiais?

Existe uma antiga expressão que afirma: “Caixão (funerário) não tem gaveta”. O humor, duvidoso, busca apontar para o fato de que uma vez mortos, não levamos nenhum bem que valorizamos nesta vida. Essa é uma verdade universal, mas contra a qual o ser humano tem lutado ao longo de toda a história. Desde os vários ritos funerários onde as posses de um homem são queimadas com ele – infelizmente às vezes isso incluía sua esposa, mesmo que estivesse viva – até as famosas pirâmides do Egito, que são na verdade túmulos gigantescos. O fato é que, como seres humanos, não gostamos da ideia de nossa eventual partida desta vida de “mãos vazias”.

Com isso é natural à humanidade acumular bens ou valores materiais. Esforçamo-nos, trabalhamos, sacrificamos relacionamentos para adquirir coisas que não são eternas. Jesus ensina sobre essa dura realidade com clareza em Mateus 6.19-21:

“Não acumulem para vocês tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem destroem e onde os ladrões arrombam e furtam. Mas acumulem para vocês tesouros nos céus, onde a traça e a ferrugem não destroem e onde os ladrões não arrombam nem furtam. Pois, onde estiver o seu tesouro, ali também estará o seu coração.”

O cerne do problema não são as posses, mas o quanto as “entesouramos”.

A exortação para que não acumulemos tesouros na terra é embasada na frase final: “Onde estiver o seu tesouro, ali também estará o seu coração”. Tesouro é por natureza algo precioso para quem o possui ou deseja. Existem muitas histórias de pessoas que, por não perceberem o valor do que possuíam, até mesmo relacionamentos, vieram a perdê-los para outros que consideravam aquilo um tesouro. O cerne do problema então não são as posses, mas o quanto as “entesouramos”. 

Em meu último artigo, escrevi a respeito algumas reflexões sobre a passagem do jovem rico, que busca a Jesus para saber como herdar a vida eterna (Marcos 10.17-31). Ao refletir hoje na passagem paralela de Lucas 18.18-30, fiquei pensando sobre a expressão de Jesus de como é difícil aos ricos entrar no Reino de Deus. À primeira vista parece que o problema é a quantidade de posses de um homem. Isso não faz sentido, pois, como vimos em outro artigo recente, ninguém entra ou deixa de entrar no céu sem ser pela fé em Cristo Jesus. Seria essa mais uma condição, ou seja: para entrar nos céus é necessário crer em Jesus e não ser rico? Nada pode ser acrescentado à fé como condição para a vida eterna! Sendo assim, há um sentido mais profundo nessa afirmativa de Jesus.

Alguns pensamentos me ocorreram e quero compartilhá-los com você. Em primeiro lugar, Jesus torna claro que, para segui-lo, precisamos morrer para nós mesmos (Romanos 14.7-8). Morto não tem posses, não pode ser rico. Assim, a primeira lição é que, para seguir a Jesus, eu preciso abdicar de minhas posses, pois estou assumindo o compromisso de morrer para minha antiga vida.

Para seguir a Jesus, eu preciso abdicar de minhas posses, pois estou assumindo o compromisso de morrer para minha antiga vida.

Em segundo lugar, o conceito de ser rico e o poder que vem com a riqueza. Lembro-me de um cristão que conheci que havia sido muito rico quando mais jovem. Ele um dia me confessou que o maior atrativo da riqueza não era viajar todo mês para a Europa com a família, dirigir carros luxuosos, ou morar em casas suntuosas. O maior atrativo era saber que ele podia fazer tudo isso. A sensação de poder que vem com a riqueza faz com que nosso coração se sinta seguro e poderoso, pois temos recursos que podem nos proteger ou nos dar o que queremos. Você percebe como tudo isso ocupa um lugar que apenas Deus pode ter no coração do cristão? Por isso Davi escreve no salmo 16.2: “Ao Senhor declaro: ‘Tu és o meu Senhor; não tenho bem nenhum além de ti’”. Somente quando o Senhor é meu “único bem” de verdade é que estou pronto a amá-lo e segui-lo. Pode até ser que, nessas circunstâncias, o Senhor decida nos confiar a mordomia de bens e posses.

Em terceiro lugar, temos a promessa maravilhosa do versículo final da passagem (Lucas 18.29-30): “Jesus respondeu: ‘Em verdade lhes digo que ninguém que tenha deixado casa, mulher, irmãos, pai ou filhos por causa do reino de Deus deixará de receber, na presente era, muitas vezes mais e, na era futura, a vida eterna’”. Se minhas posses ou relacionamentos são mais importantes do que meu Senhor, não estou aberto para receber tudo o que ele deseja me dar a partir de seu amor. Até mesmo um relacionamento fundamental como o matrimônio não pode ser “entesourado” acima de nossa relação com o Senhor! Isso não desvaloriza o casamento, mas o coloca na perspectiva correta. Minha felicidade e bem-estar não depende de meu casamento, mas da boa mão do Senhor, o qual com frequência o faz por meio de um casamento santo.

Minha oração por mim e por você, querido leitor, é que possamos abrir mão de tudo o que temos e aguardar aquilo que ele vai nos confiar. O que tivermos a mais será uma escravidão. Citando Jim Elliot, o famoso missionário que foi morto ao contatar os índios auca para evangelizá-los: “Não é tolo aquele que abre mão do que não pode guardar, para ganhar o que não pode perder!”.

Autor

  • Daniel Lima

    Daniel Lima (D.Min., Fuller Theological Seminary) serviu como pastor em igrejas locais por mais de 25 anos. Também formado em psicologia com mestrado em educação cristã, Daniel foi diretor acadêmico do Seminário Bíblico Palavra da Vida (SBPV) por cinco anos. É autor, preletor e tem exercido um ministério na formação e mentoreamento de pastores. Casado com Ana Paula há mais de 30 anos, tem quatro filhos, dois netos e vive no Rio Grande do Sul desde 1995. Ele estará presente no 26º Congresso Internacional Sobre a Palavra Profética, organizado pela Chamada.

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