Qual a diferença entre um coração contrito e um coração hipócrita? Qual dessas duas posições representa a sua vida diante de Deus?
Há um velho ditado que afirma: “O que você faz fala tão alto que não consigo ouvir o que você diz”. Ele reflete bem a realidade de que nossas ações falam mais alto que nossas palavras. No mundo das campanhas políticas isso é evidente. Candidatos fazem quase qualquer tipo de promessa para conseguir o apoio daqueles que votam. Uma vez eleitos, a realidade se impõe e seus verdadeiros valores vêm à tona.
No entanto, temo que não é o campo da política o mais afetado por esta “hipocrisia”. Temos ao longo da história inúmeros exemplos de hipocrisia entre líderes religiosos. Desde papas que se envolviam em orgias sexuais, até padres e pastores que abusam sexualmente daqueles a quem deveriam proteger.
Ao meditar sobre a passagem de Lucas 19.45-48, me deparei com o conhecido relato de Jesus purificando o pátio do templo. O mesmo relato, com mais detalhes, é registrado também nos evangelhos de Mateus e Marcos (Mateus 21.12-17; Marcos 11.15-19). O que me chamou a atenção é que Jesus, ao iniciar seu período final de ministério em Jerusalém, não começou com o ensino, mas com a purificação. Parece o contrário do que tendemos a fazer, não?
Hoje em dia a maioria dos implantadores de igreja ou pastores e líderes não começa com confrontação, mas com serviço, passando pouco a pouco a ensinar e, eventualmente, muito mais tarde, a confrontar. Fiquei pensando por que Jesus começou com uma confrontação dura. Isso não faria o povo se voltar contra ele? Afinal, em tempos de uma forte resistência ao cristianismo, qualquer advertência ou mesmo ensino que leve à confrontação é visto como intolerância, fanatismo ou fundamentalismo. É óbvio que a postura de Jesus foi correta.
A razão primária é que os judeus já conheciam a Lei e sabiam que o pátio do templo tinha um propósito de meditação, de permitir que não judeus pudessem ser instruídos nos caminhos do Senhor. Ao realizar a feira que faziam no pátio, não só manifestavam sua ganância, como também impediam que este fosse um lugar adequado para reflexão e ensino.

Veja em comparação como Jesus tratou com mansidão os publicanos e prostitutas (Lucas 5.27-32). É bem verdade que tanto estes como os líderes judeus no pátio do templo estavam pecando. Os últimos por hipocrisia e ganância, os primeiros por ganância e promiscuidade. A diferença principal era que os líderes se entendiam como puros e santos, enquanto os outros sabiam ser párias da sociedade. E, justamente por isso, estavam a um passo do arrependimento.
A diferença principal era que os líderes se entendiam como puros e santos, enquanto os outros sabiam ser párias da sociedade.
Segundo F. F. Bruce, famoso estudioso da Bíblia, “arrependimento (metanoia, ‘mudança da mente’) envolve o abandono do pecado e voltar-se para Deus em contrição; o pecador arrependido está em condições próprias para receber o perdão divino”.[1] O primeiro passo, no entanto, é justamente reconhecer que pecou. Desta forma, vemos que os líderes judeus não reconheciam que pecavam, enquanto os publicanos e prostitutas sabiam muito bem que estavam em pecado. Por isso estavam tão prontos a ouvir a Jesus. Ele inclusive tornou claro a quem veio chamar em Lucas 5.32: “Eu não vim chamar justos, mas pecadores ao arrependimento”.
Na igreja evangélica, com razão enfatizamos uma vida de santidade. Isso é justo e correto, pois para isso fomos chamados. No entanto, esta santidade não é nosso mérito ou condição de salvação. Pelo contrário, somos salvos porque não somos santos, e sim pecadores. Os líderes judeus que exploravam o comércio no pátio do templo eram tão pecadores como publicanos e prostitutas, eles apenas não reconheciam esta sua condição e isso os impedia de perceber seu pecado, entristecer-se com ele e vir a ter uma mudança de atitude. Na passagem de Lucas 19, isso fica ainda mais evidente quando Lucas registra que “os chefes dos sacerdotes, os mestres da lei e os líderes do povo procuravam matá-lo”, ou seja, eles realmente não reconheciam, nem se entristeciam e certamente não se arrependiam de seus pecados.
Os líderes judeus não reconheciam sua condição, e isso os impedia de perceber seu pecado, entristecer-se com ele e vir a ter uma mudança de atitude.
Muitos anos depois deste evento, o apóstolo João escreve em sua primeira carta, capítulo 1: “Se afirmarmos que não temos pecado, enganamos a nós mesmos, e a verdade não está em nós. Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para perdoar os nossos pecados e nos purificar de toda injustiça”. Não sei como está seu coração hoje. Oro por você e por mim, para que nossos corações estejam sensíveis à Palavra de Deus e à operação de seu Espírito, para que estejamos prontos a nos arrepender de nossos pecados cotidianos.
Nota
- Frederick F. Bruce, The Acts of the Apostles; Greek Text Commentary (Londres: Tyndale, 1952), p. 97.
Autor
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Daniel Lima (D.Min., Fuller Theological Seminary) serviu como pastor em igrejas locais por mais de 25 anos. Também formado em psicologia com mestrado em educação cristã, Daniel foi diretor acadêmico do Seminário Bíblico Palavra da Vida (SBPV) por cinco anos. É autor, preletor e tem exercido um ministério na formação e mentoreamento de pastores. Casado com Ana Paula há mais de 30 anos, tem quatro filhos, dois netos e vive no Rio Grande do Sul desde 1995. Ele estará presente no 26º Congresso Internacional Sobre a Palavra Profética, organizado pela Chamada.
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