Soli Deo Gloria ou Morte

Soli Deo Gloria deveria ser o lema de vida de todo ser humano. Como cristãos, comprometemo-nos com esse lema.

Vejamos um pequeno relato do livro de Atos. Ele se encontra no capítulo 12, imediatamente antes do início da primeira viagem missionária de Paulo. O rei Herodes Agripa dominava a Judeia e a Samaria. Ele assumiu como encargo matar os líderes das primeiras igrejas.

Ele acabara de matar Tiago, e agora Pedro também haveria de morrer. Este último, porém, foi salvo milagrosamente da prisão por um anjo do Senhor. Pedro se apresenta a um grupo da igreja que havia orado persistentemente em favor dele, mas depois foge de Jerusalém para algum outro lugar.

Nesse ponto inicia-se o nosso texto: “Quando amanheceu, houve grande alvoroço entre os soldados sobre o que teria acontecido com Pedro. Herodes, tendo-o procurado e não o achando, submetendo as sentinelas a interrogatório, ordenou que se aplicasse a pena de morte. E, descendo da Judeia para Cesareia, Herodes passou ali algum tempo. Havia uma séria divergência entre Herodes e os moradores de Tiro e de Sidom. Estes, porém, de comum acordo, se apresentaram a ele e, depois de obter o apoio de Blasto, que era assessor do rei, pediram paz, porque a terra deles recebia alimentos do país do rei. Em dia designado, Herodes, vestido de traje real, assentado no trono, dirigiu-lhes a palavra. E o povo gritava: ‘É voz de um deus, e não de um homem!’ No mesmo instante, um anjo do Senhor feriu Herodes, por ele não haver dado glória a Deus; e, comido de vermes, morreu” (Atos 12.18-23).

Em 2018, o rapper Snoop Dogg fez um notável discurso na Calçada da Fama em Los Angeles. Ele havia recebido uma estrela como prêmio por seu desempenho como artista e, como é usual, agradeceu a diversas pessoas. O fim do discurso dele, porém, foi surpreendente. Ele disse:

“Por fim, quero ainda agradecer a mim mesmo: pelo fato de sempre ter acreditado em mim, por ter trabalhado intensamente, por nunca ter tirado tempo para lazer, por nunca ter desistido. Quero agradecer a mim por sempre ser um doador, tentando dar mais do que recebo. Quero agradecer-me por tentar acertar mais do que errar. Quero agradecer-me por eu ser apenas eu mesmo.”

Esse discurso tornou-se um modelo de egolatria e viralizou nas redes sociais. Muitas pessoas publicaram vídeos em que agradeciam a si mesmas pelo seu sucesso. Egolatria tornou-se uma virtude moderna. Há um esforço dedicado em distinguir seu conteúdo do egocentrismo, mas, em última análise, ele é exatamente isso. A egolatria é o ato consciente de amar a si mesmo. Ou seja, prestar honra ao Eu, ao Ego – Soli Ego Gloria [latim, “glória apenas a mim”].

Egolatria tornou-se uma virtude moderna. Há um esforço dedicado em distinguir seu conteúdo do egocentrismo, mas, em última análise, ele é exatamente isso.

Hoje, o #amorpróprio é excessivamente apoiado, mas não é nada de novo debaixo do sol. As pessoas da antiguidade também sabiam elogiar muito bem a si mesmas. Assim também o rei Herodes Agripa. Ele faz um discurso aos representantes de Tiro e Sidom. Eles dependiam dele porque ele era seu fornecedor de cereal.

Eles rogam graça ao rei e ele se mostra benevolente ao discursar. Agripa apresenta-se com grande brilho, enverga vestimentas reais que, segundo um relato paralelo de Josefo, brilhavam a ponto de ofuscar a todos. E ele se assenta no trono para pronunciar um inflamado discurso. Fazendo isso, Agripa enfatiza a quem ele atribui toda a glória: a si mesmo.

O constrangedor nisso tudo é que o povo todo o aplaude não tanto por ele ser tão magnífico, mas porque tem fome e quer o cereal que ele possui. Por isso, as pessoas fazem o que ele quer – glorificam-no e dizem: “É voz de um deus, e não de um homem!”.

Agripa é empurrado até o ápice em seu autoelogio. É divinizado, e a consequência imediata aparece no versículo 23 do nosso texto: “No mesmo instante, um anjo do Senhor feriu Herodes, por ele não haver dado glória a Deus; e, comido de vermes, morreu”.

Um evento brutal. Imaginem se o mesmo tivesse acontecido com Snoop Dogg. Soli Ego Gloria é mortal. No caso de Agripa, de imediato; para a maioria das pessoas, não de forma tão súbita. Contudo, aquilo que aconteceu aqui de forma comprimida é um exemplo do nosso relacionamento com Deus. Existem duas possibilidades: ou damos glória somente a Deus, ou a nós mesmos, e a segunda opção não é um simples vexame. É pecado.

Na verdade, fomos criados para glorificar apenas a Deus.

Não é sem motivo que o primeiro mandamento diz que não devemos ter outros deuses além de Javé, e o supremo mandamento enfatiza que devemos amá-lo de todo o coração, de toda a alma e com todas as forças.

Logicamente, o aspecto principal do nosso pecado é não amarmos a Deus com todo o nosso ser, glorificando-o. Essa era a nossa condição original. Romanos 1.21 diz que, embora conheçamos a Deus, não o glorificamos (veneramos) como Deus, nem lhe damos graças. E qual é o salário do pecado? A morte.

Portanto, a morte de Agripa é a consequência lógica do seu procedimento. Ele morreu por “não haver dado glória a Deus”. Ele a usurpou para si. Furtou-a. Assim, todos somos ladrões. Não há ninguém que não tenha furtado. Furtamos a glória de Deus e precisamos arcar com as consequências.

Todos somos ladrões. Não há ninguém que não tenha furtado. Furtamos a glória de Deus e precisamos arcar com as consequências.

Como é bom então conhecermos o nosso Senhor Jesus Cristo!

Ele diz: “Eu não vim chamar justos, e sim pecadores” (Marcos 2.17).

Ele nos livrou da nossa culpa para que fossemos transformados em sua imagem. Jesus é o homem autêntico, o homem isento de pecado. Ou seja, ele viveu com perfeição o Soli Deo Gloria [glória apenas a Deus].

Filipenses 2.7-8 descreve como Jesus deu glória exclusivamente a Deus: “Pelo contrário, ele se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se semelhante aos seres humanos. E, reconhecido em figura humana, ele se humilhou, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz”.

Exatamente esta é a mentalidade que devemos cultivar em nós, nada fazendo em proveito próprio ou vaidosa autoglorificação, mas humildemente, considerando o outro superior a nós mesmos. Cristo é o oposto de Agripa.

O que, porém, significa para nós glorificar apenas a Deus? Significa, antes de tudo, tratar de entender cada vez mais a glória do nosso Pai celestial. Ele permanece, por um lado, um fogo consumidor, zeloso por sua própria glória. O exemplo assustador de Agripa ilustra isso para nós.

Por outro lado, isso não deve ser motivo de medo para nós como filhos de Deus! O verdadeiro temor a Deus é uma alegria trêmula por nosso santo Deus salvador. O Deus que permitiu que Agripa morresse miseravelmente é o mesmo que nos amou a ponto de entregar seu próprio Filho.

Todavia, ele não nos salvou para que fôssemos objeto de júbilo. Ele nos salvou por amor do seu nome. Nem a nossa redenção, nem a nossa santificação se dão por amor do nosso nome. São atos da graça de Deus, para que a glória nos seja tirada e dada tão-somente a ele.

Portanto, Soli Deo Gloria deveria ser o lema de vida de todo ser humano. Como cristãos, comprometemo-nos com esse lema.

Soli Deo Gloria deveria ser o lema de vida de todo ser humano. Como cristãos, comprometemonos com esse lema.

Mesmo assim, cabe aceitar o desafio desse texto e perguntar: onde e quando já mereci que um anjo do Senhor me golpeasse e eu tivesse de morrer comido por vermes? Não preciso pensar muito para responder a essa pergunta. Comigo acontece todo dia. Embora tenha mandado gravar Soli Deo Gloria em minha aliança de casamento, a realidade é outra: nunca dou glória apenas ao Senhor. Talvez eu não seja um farsante como Agripa, mas, tal como esse rei, aprecio quando as pessoas me elogiam, e detesto quando me criticam. Além disso, não considero assim tão grave aceitar um pouco de glória. Muitas vezes, percebo os meus pecados apenas como erros e, afinal, errar é humano.

Algo de que raramente me dou conta é que furtar a glória de Deus não é nenhuma bagatela. É pecado contra o meu santo Pai.

Será que temos sensibilidade para identificar Soli Deo Gloria em nossa vida? Especialmente nós que temos posições de destaque na igreja. Será que a nossa formação e habilidades se destinam apenas à glória de Deus? Ou preferimos ser reconhecidos como superiores e ser reverenciados nas igrejas?

Que Cristo nos guarde de nos vangloriarmos do que quer que seja.

Cada um de nós estava morto e foi vivificado apenas pela graça, e a cada novo dia merecemos receber golpes do Senhor.

Cada dia, porém, é também um dia em que o Senhor nos concede sua graça.

“As misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos, porque as suas misericórdias não têm fim; renovam-se a cada manhã.” (Lamentações 3.22-23a)

A cada manhã podemos ter um novo início com o Senhor e lhe dar graças por ele ir em frente conosco.

É exatamente aí que está a chave do Soli Deo Gloria: na gratidão.

Agripa e Snoop Dogg agradeceram a si mesmos. A quem você agradece?

“Vi e ouvi uma voz de muitos anjos ao redor do trono, dos seres viventes e dos anciãos, cujo número era de milhões de milhões e milhares de milhares, proclamando com voz forte: ‘Digno é o Cordeiro que foi morto de receber o poder, a riqueza, a sabedoria, a força, a honra, a glória e o louvor.’ Então ouvi que toda criatura que há no céu e sobre a terra, debaixo da terra e sobre o mar, e tudo o que neles há, estava dizendo: ‘Àquele que está sentado no trono e ao Cordeiro sejam o louvor, a honra, a glória e o domínio para todo o sempre.’ E os quatro seres viventes respondiam: ‘Amém!’ Também os anciãos se prostraram e adoraram.” (Apocalipse 5.12-14)

Autor

  • Timo Holzmann

    Timo Holzmann é bacharel em teologia pela STH Basel e em história pela Universidade de Friburgo. Casado com Lilien, tem um filho. Atualmente, estão se preparando para o trabalho missionário na África.

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