O que podemos aprender com a leitura da história do homem rico e de Lázaro?
É natural tentarmos explicar eventos. Desde criança tentamos dar uma razão para aquilo que acontece. A princípio são razões mágicas, pois nos falta o desenvolvimento do pensamento formal, mas ainda assim tentamos explicar. Quantos de nós já não ouviram (ou falaram) diante de um erro cometido: “Foi mais forte do que eu…”. Acredito que esse impulso de explicar o mundo nos traz um certo senso de segurança, uma certa ordem ao mundo. Caso contrário, se tudo for aleatório, não temos esperança ou como nos defender. Seja uma explicação fantasiosa de uma criança, uma explicação mística de um supersticioso ou uma tentativa de alinhar causa e efeito de um cientista, procuramos razões para eventos.
Os discípulos de Jesus demonstraram isso na passagem de João 9.2-3:
“Os seus discípulos lhe perguntaram: ‘Rabi, quem pecou, este homem ou os seus pais, para que ele nascesse cego?’ Jesus respondeu: ‘Ele não está assim pelos pecados dele nem pelos pecados dos pais, mas para que se manifestasse nele a obra de Deus’.”
Ao ver um homem cego, procuraram a explicação, a causa de sua cegueira. Era comum aos judeus explicarem uma doença ou condição humana por meio de pecados pessoais ou de seus antepassados. Jesus, no entanto, lhes revela uma outra causa ou razão completamente inesperada.
É preciso muito cuidado para não trazer para o texto explicações culturalmente aceitáveis, mas que não têm nenhuma relação com o texto ou com o propósito de Deus.
Há uma história que Jesus contou e Lucas registrou no capítulo 16, versículos 19 a 31, sobre o homem rico e o mendigo chamado Lázaro. Há um debate se essa é mais uma parábola ou uma história verídica, já que uma característica do estilo de parábolas é nunca nomear os personagens. De qualquer forma, a história conta uma história de dois homens que certamente nos apontam muitas verdades. No entanto, como em todas as passagens bíblicas, é preciso muito cuidado para não trazer para o texto explicações culturalmente aceitáveis, mas que não têm nenhuma relação com o texto ou com o propósito de Deus.
Na história o rico vive em abundância e de modo suntuoso. Ele, ao morrer, vai para o inferno. O mendigo, por sua vez, vive com uma doença que lhe causa feridas no corpo e mora na rua, passando fome. Ao morrer, vai para o “seio de Abraão”. A primeira explicação, muito popular em nossos dias, é que o rico será castigado e o pobre será abençoado. Atribui-se um veredito moral contra o rico e a favor do pobre. É como se todo rico fosse perverso e todo pobre virtuoso. No entanto, não é esse o ensino da história ou sequer seu propósito. Não sabemos ao certo por que o rico foi para o inferno. Vemos indícios de sua impiedade, já que havia um mendigo à sua porta e ele não o ajudou, enquanto esbanjava os recursos que lhe haviam sido confiados. O problema dele não era ser rico, mas ser impiedoso. Lázaro, por sua vez, cujo nome significa “Deus tem socorrido”, é levado por anjos para o céu – a história não nos revela por que ele foi levado aos céus. Podemos inferir que ele vivia uma vida de devoção, muito embora a história não nos revele quase nada a seu respeito.
Céu e inferno são reais e não apenas mitos. Não são apenas estados de espírito, tampouco quem não for para o céu deixará de existir.
Qual então é o propósito da história? Por que Jesus contou essa história com tantos detalhes? Eu creio que há várias verdades contidas ali que podem e devem afetar nosso modo de pensar, crer e viver. Deixe-me alistar algumas:
- Céu e inferno são reais e não apenas mitos. Não são apenas estados de espírito, tampouco quem não for para o céu deixará de existir.
- Essas realidades são definitivas. Por mais terrível que possa parecer, uma vez determinado o destino eterno, este é para todo o sempre.
- Não é possível trocar de lugar após a morte. A expressão “há um grande abismo” significa que não é possível passar de um lugar a outro.
- Não é possível voltar da morte, mesmo que seja para alertar ou “fazer o bem”. Não só não é possível, como também inútil.
- Há um período em que o arrependimento pode e deve ocorrer, e este período é durante a vida. Assim, o arrependimento após a morte não resulta em salvação.
- As Escrituras são o meio pelo qual Deus tem nos alertado quanto à necessidade de uma vida piedosa.
Essas verdades são profundas e atestadas por outras passagens. Há também outras passagens que nos alertam quanto ao perigo da ganância ou da riqueza (p. ex., 1Timóteo 6.3-10). Minha oração, no entanto, é que as verdades contidas aqui sirvam para nossa edificação e orientação espiritual.
Autor
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Daniel Lima (D.Min., Fuller Theological Seminary) serviu como pastor em igrejas locais por mais de 25 anos. Também formado em psicologia com mestrado em educação cristã, Daniel foi diretor acadêmico do Seminário Bíblico Palavra da Vida (SBPV) por cinco anos. É autor, preletor e tem exercido um ministério na formação e mentoreamento de pastores. Casado com Ana Paula há mais de 30 anos, tem quatro filhos, dois netos e vive no Rio Grande do Sul desde 1995. Ele estará presente no 26º Congresso Internacional Sobre a Palavra Profética, organizado pela Chamada.