Em Êxodo 20.7 temos o conhecido mandamento de não usar o nome do Senhor em vão. Como, então, devemos compreender os nomes de Deus e reverenciá-los adequadamente?
Na maioria das sociedades atuais, escolher o nome de um bebê pode ser algo arbitrário ou mesmo aleatório. Alguns recebem o nome de uma avó ou tio ou outra pessoa que os pais admirem. As preferências mudam a cada geração; para muitos (embora certamente não todos), a importância dos nomes não passa muito de “gostamos dele”.
Meu nome é Scott, e isso não lhe diz muito a meu respeito. Tudo bem, tenho um pouco de sangue escocês, mas meu sobrenome logo desvia sua atenção para outro lado. Certa vez, encontrei outro homem cujo primeiro e último nomes eram iguais aos meus, um habilidoso jogador de basquete afro-americano que viajava com uma equipe internacional; ele é uns 30 cm mais alto que eu. Se nós dois estivéssemos no banco durante um jogo, o técnico então chamasse “Scott Horrell!” e eu chegasse antes dele à quadra, o resultado teria sido desastroso para o time.
Para a maioria de nós, nosso nome não diz muito aos outros sobre quem realmente somos.
Em outras épocas e culturas, os nomes identificavam a família e/ ou o lugar de origem da pessoa. Grande parte da história da igreja está repleta de nomes como Jesus de Nazaré, João Damasceno e Francisco de Assis. Às vezes, o nome também invocava uma bênção ou virtude sobre o bebê; hoje em dia, por exemplo, é possível encontrar nomes como Beauty, Goodluck ou Precious (“beleza”, “boa sorte” e “preciosa”, respectivamente em inglês) em algumas partes da África. Alguns nomes refletem uma atividade ou mesmo um único ato memorável – você se lembra do filme com o tenente do exército americano que os nativos chamaram de “Dança com Lobos”? E, quando Abraão e Sara chamaram seu primogênito de “Isaque”, o que isso significava? (Veja Gênesis 17.15-19,21; 18.9-15; 21.1-7.)
Na Bíblia, os nomes têm significado. Portanto, no que diz respeito aos nomes divinos, eles têm um papel-chave no desenvolvimento do nosso entendimento de Deus. Embora seus vários nomes e títulos não contem tudo a respeito dele, os nomes de Deus são como pinceladas individuais de uma obra de arte complexa, que juntos culminam em uma bela imagem que nos ajuda a entender, apreciar e responder melhor a ele. Três princípios básicos nos fazem avançar no entendimento do Deus da fé cristã.
Os nomes de Deus são como pinceladas individuais de uma obra de arte complexa, que juntos culminam em uma bela imagem que nos ajuda a entender, apreciar e responder melhor a ele.
Primeiro, os nomes divinos revelam a pessoa de Deus. Eles anunciam seu caráter, destacam seus atributos e o distinguem dos demais. El e Elohim exaltam Deus como o Todo-poderoso. YHWH aponta para o atemporal “Eu Sou” que se juntou a seu povo em um relacionamento pessoal de aliança. A Escritura traz nomes de exaltação: El Olam, “o Deus Eterno” (Gênesis 21.33; Salmos 100.5; Isaías 40.28); El Elyon, “Deus Altíssimo” (Gênesis 14.17-22; Dt 32.8; Sl 78.35); El Shaddai, “Deus Todo-Poderoso” (Gn 17.1-3); pantokrator significa “o Todo-Poderoso” (Apocalipse 1.8; 4.8; 11.17; 16.7); “Senhor dos Exércitos” indica seu comando sobre as vastas hostes celestiais (1Samuel 1.3,11; Salmos 24.10; Isaías 1.9).
Os nomes divinos muitas vezes associam a identidade de Deus com suas atividades. O Senhor é “o Juiz de toda a terra” (Gn 18.25); “a Rocha [Protetor] de Israel” (49.24); o bom “pastor” (Salmos 23.1); o “Redentor” (Isaías 44.6); “marido” (54.5); “Salvador” (63.8); “Rei dos reis e Senhor dos senhores” (1Timóteo 6.15; cf. Apocalipse 19.16). Juntas, dúzias de nomes de coloridos títulos divinos formam um retrato brilhante de nosso Deus, de seus atributos e de seus atos.

Da mesma forma, os nomes divinos se multiplicam e aumentam em variedade e detalhe ao longo da revelação progressiva da Bíblia. Por exemplo, o título Pai raramente é aplicado a Deus na Bíblia hebraica,[1] mas Jesus fala de Deus como seu Pai e de seu relacionamento singular como o Filho enviado do Pai. No evangelho de João, Paipraticamente se torna o principal nome de Deus.
Títulos como Senhor, Salvador, Redentor e Santo de Israel são descrições de Deus no Antigo Testamento, por isso é extremamente significativo que o Novo Testamento atribua os mesmos termos a Jesus – na verdade, até mais frequentemente do que a Deus Pai. Aprendemos cada vez mais sobre Deus à medida que viajamos pela história bíblica. Em Apocalipse 1.8, Deus Pai declara: “Eu sou o Alfa e o Ômega”; por isso, quando Jesus encerra o livro dizendo “eu sou o Alfa e o Ômega, o Primeiro e o Último, o Princípio e o Fim” (22.13), não deveríamos ficar surpresos com o fato de que agora “Deus” e o “Cordeiro” compartilham o trono da nova terra (22.1). Mediante a revelação progressiva, os nomes divinos revelam cada vez mais do caráter e das obras do Deus tripessoal.
Segundo, os nomes divinos representam a presença de Deus. Salmos 8.1 declara: “Ó Senhor, Senhor nosso, como é magnífico o teu nome em toda a terra!”. Salmos 75.1 afirma: “Damos-te graças, ó Deus, damos-te graças, pois perto está o teu nome” (NVI). Está claro que aqui se fala de algo maior do que meramente o nome divino. Os estudiosos chamam essa figura de linguagem de “metonímia”, em que uma palavra ou expressão denota algo intimamente relacionado com ela. Os nomes e os títulos de Deus muitas vezes representam a presença pessoal de Deus, sua proximidade.
FUNÇÃO DOS NOMES DIVINOS |
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Revelam a pessoa de Deus • Anunciam seu caráter • Associam suas funções com sua identidade • Desdobram-se em revelação progressiva |
Representam a presença de Deus • Servem como figura de linguagem para sua pessoa • Às vezes, representam sua vontade pessoal • Invocam sua presença e autoridade |
E, por isso, são sagrados • Devem ser protegidos como instrumentos de revelação • Não podem ser blasfemados nem usados de forma leviana ou como diversão • Significam que devemos encarar os votos com cautela |
Esse entendimento tem implicações práticas. Por exemplo, o que significa orar “em nome de Jesus”? Mesmo que essa expressão exata nunca apareça nas Escrituras, algumas pessoas presumem que seja uma fórmula para obter qualquer coisa de Deus, como se “em nome de Jesus” fosse a assinatura em um cheque em branco que somos exortados a depositar. Na realidade, orar “em nome de Jesus” significa orar como Jesus oraria se estivesse orando por meio de nós. Nossas orações precisam se alinhar – representar – a vontade do Salvador, mediando sua poderosa presença em nosso meio. É motivo de humildade, não de arrogância. O nome não representa a nossa presença, vontade, vitória e poder, mas os do Senhor.
Terceiro, os nomes divinos são sagrados. Ao ouvir sobre os primeiros anos da televisão, nossa filha certa vez perguntou à minha esposa e a mim se o mundo era em preto e branco quando éramos crianças. Bem, mais ou menos – em certo sentido. Lembramos de quando palavras de baixo calão eram proibidas na mídia pública, quando o certo e o errado normalmente eram entendidos de forma mais clara, direta. Desde então, depois de viver vários anos fora da América do Norte, a cada retorno aos EUA ficávamos chocados com a aceleração pública do vocabulário explícito e do aviltamento do Deus cristão e de Jesus Cristo.
Como os nomes de Deus revelam sua pessoa e representam sua presença, eles precisam ser protegidos como recursos santos de revelação.
Como os nomes de Deus revelam sua pessoa e representam sua presença, eles precisam ser protegidos como recursos santos de revelação. O terceiro mandamento diz: “Não tome o nome do Senhor, seu Deus, em vão, porque o Senhor não terá por inocente o que tomar o seu nome em vão” (Êxodo 20.7). Obscenidades, expletivas e blasfêmias saturam de tal modo a cultura de hoje que nossa mente, ainda que não nossa língua, pode se acostumar a responder com palavrões quando as coisas não andam como gostaríamos. Blasfêmia deliberada é algo extremamente sério (cf. Levítico 24.10-23).
Explorando a Teologia Cristã: Revelação, Escritura e Trindade
editado por Nathan D. Holsteen e Michael J. Svigel
Este primeiro volume da trilogia traz os fundamentos das doutrinas da revelação escrita de Deus (Bíblia) e da Trindade de uma forma concisa e acessível, revelando perigos a evitar, fornecendo um panorama histórico das doutrinas, aplicações práticas e mais.
Entretanto,“tomar o nome do Senhor em vão” não se limita a amaldiçoar a Deus de forma explícita. Fazer votos em nome dele ou jurar sobre a Bíblia dizendo “que Deus me ajude” trazem consequências quando esses votos ou juramentos são quebrados. Em ambos os Testamentos, as palavras para blasfêmia apontam para calúnia, insulto, zombaria depreciativa ou qualquer atividade que diminua a glória de Deus. Querendo parecer culturalmente antenados, podemos insultar Deus se permitirmos que outros abusem de seu nome em nossa presença, seja participando diretamente disso, seja calando-nos diante disso. Mesmo agindo corretamente e rejeitando tanto o legalismo quanto a separação total do mundo, ainda é possível detratar Deus ao participar de coisas que explicitamente o desonram. Em minha humilde opinião, “tomar o nome do Senhor em vão” inclui gracejos e leviandades sobre ele. Esse é um assunto que deve ser tratado com humildade, com um coração desejoso de honrar a Deus em vez de ansiar por evitar a ridicularização de outros. Tratar o Sagrado como comum – isto é, profanando-o – não é engraçado.
Naquela oração que muitos chamam de “Pai-nosso”, Jesus ensinou a seus discípulos: “Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome; venha o teu Reino; seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu” (Mateus 6.9-10). O termo santificar significa “tornar santo”, “colocar à parte”, “honrar”, “reverenciar”. Devemos “tornar santo” o nome de Deus no mundo. Imediatamente antes dessa oração, Jesus fez uma advertência séria contra os votos impensados, o “juramento falso” diante de Deus ou de homens (5.33-37). A ordem do terceiro mandamento reverbera por todo o Novo Testamento e chega até os cristãos de hoje.
Uma vez que revelam sua pessoa e representam sua presença, os nomes de Deus são santos. Devemos santificar os nomes divinos, protegê-los em nossa própria vida e defendê-los o melhor possível contra o abuso.
Nota
- Mesmo assim, ele é retratado como o Pai de Israel (Êx 4.22; Is 63.16; 64.8; Jr 31.9; Os 11.1), o Pai dos órfãos (Sl 68.5) e o Pai adotivo do rei davídico (2Sm 7.14; 1Cr 22.10; Sl 89.26-27).
Este artigo foi adaptado do livro Explorando a Teologia Cristã: Revelação, Escritura e Trindade, editado por Nathan D. Holsteen e Michael J. Svigel.
Autor
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J. Scott Horrell (Th.M., Th.D., Dallas Theological Seminary) é professor de estudos teológicos no Dallas Theological Seminary. Missionário com WorldTeam (Aliança Bíblica) em Porto Alegre e São Paulo por 18 anos, pastor, titular da teologia e coordenador do mestrado na Faculdade Teológica Batista de São Paulo, professor no Seminário Teológico Servo de Cristo, no Seminário Bíblico Palavra da Vida e em várias escolas pelo mundo. Casado com Ruth, com quem tem duas filhas e oito netos, é autor de vários livros e artigos.
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