Vivendo em um Mundo Iníquo

Os líderes políticos de nosso tempo estão quase sempre envolvidos em esquemas de corrupção. Como um cristão lida com esse fato?

A Transparência Internacional é uma organização sem fins lucrativos que avalia a corrupção em países e governos locais. Um de seus principais trabalhos é o índice de Percepção da Corrupção. Ainda que imperfeito, posto que seja dirigida por humanos, esta organização avalia de forma independente o estado de corrupção e classifica 180 países. Quanto maior a nota, maior a transparência e menor a percepção de corrupção naqueles países ou regiões. Estas avaliações começaram em 2012. Para o ano de 2024, o Brasil recebeu a nota 34, a pior desde o início das avaliações. Ficamos na 107ª posição entre os 180 países.

Mas, antes de lançarmos acusações, nossa nota no governo anterior era de 38 e a posição era 94º. Certamente vivemos em um dos países mais corruptos do planeta. Sim, há casos piores, mas o fato é que há muito a crescer. Precisamos entender que a corrupção é uma marca cultural em nossa sociedade. É uma característica tolerada e por vezes até admirada em muitos círculos. Corrupção existe desde furar uma fila, tentar subornar um agente governamental, até as corrupções no escalão superior que incluem milhões de reais.

Precisamos entender que a corrupção é uma marca cultural em nossa sociedade. É uma característica tolerada e por vezes até admirada em muitos círculos.

Para nós cristãos, nosso chamado não é simplesmente criticar e apontar os erros deste ou daquele governante. Com certeza há governos melhores e piores. Mas o que devemos fazer como participantes do Reino que é descrito como: “Pois o Reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, paz e alegria no Espírito Santo; aquele que assim serve a Cristo é agradável a Deus e aprovado pelos homens” (Romanos 14.17)? Como lidar com governantes corruptos e, em alguns casos, abertamente hostis a ideais cristãos?

O Império Romano na época de Jesus era conhecido por sua corrupção. Governadores de províncias sabiam que tinham um tempo limitado para enriquecer antes que as queixas dos líderes provinciais chegassem a Roma e, por meios políticos, esse governador fosse substituído. Dentro desse contexto, lemos na passagem de Lucas 20.20-26 como Jesus respondeu ao tema de viver em um contexto iníquo.

Já no versículo 20 lemos que os líderes judeus “mandaram espias que se fingiam de justos para apanhar Jesus em alguma coisa que ele dissesse”. Ou seja, estes homens aparentavam justiça, provavelmente declarando uma crise de consciência. O denário, moeda de prata equivalente ao pagamento de um dia de um trabalhador braçal, trazia não só a imagem do imperador, mas também a declaração de que este era filho de um ser divino e, ao mesmo tempo, sumo sacerdote. Assim, continha várias ofensas à lei judaica.

A questão parece legítima, mas Marcos 12.13 nos revela que esse grupo enviado era composto por fariseus e herodianos. Os fariseus eram do partido que levantaria essas perguntas, mas os herodianos não. Aliás, esta é uma parceria das mais improváveis. Os herodianos eram judeus partidários de Herodes e comprometidos com os desvios da Lei e costumes de Herodes. Eram judeus que não tinham respeito pela Lei. Ainda assim, fizeram uma aliança de interesses, colocando de lado suas desavenças para tentar armar uma armadilha para Jesus.

Apesar da corrupção e blasfêmias, o Império Romano trouxe paz suficiente à região para que o evangelho pudesse criar raízes e avançar.

A pergunta se era legítimo pagar os impostos a César (Lucas 20.21) era impossível de responder sem irritar os judeus devotos ou os romanos (por isso, fariseus e herodianos). Jesus, no entanto, lança uma pergunta que leva a questão a um nível mais profundo. Por um lado, ele responde que sim, deveriam pagar o imposto. Apesar da corrupção e blasfêmias, o Império Romano trouxe paz suficiente à região para que o evangelho pudesse criar raízes e avançar. Deus não deixa de usar governos iníquos para promover seu plano (caso contrário, não poderia usar governo nenhum…).

Ao mesmo tempo, ele aprofunda a discussão ao afirmar que devemos dar a Deus o que é de Deus. Esta afirmação tanto é uma crítica às inscrições no denário, como um alerta para que dediquemos nossos corações a Deus. Jesus está chamando tanto fariseus como herodianos a uma vida de integridade diante de Deus. Para os herodianos, isso significaria deixar de lado sua submissão aos costumes pagãos e, para os fariseus, abandonar seu legalismo. Para ambos havia uma crítica aos jogos políticos.

A questão de como viver em uma sociedade pagã é muito ampla. No entanto, certamente segue dois princípios: (1) temor a Deus e (2) sujeição ao governo civil, na medida em que esta não fira o primeiro princípio.

Minha oração por você e por mim é que tenhamos o temor do Senhor como rumo em nossas vidas enquanto navegamos estes tempo difíceis e a iniquidade institucionalizada.

Autor

  • Daniel Lima (D.Min., Fuller Theological Seminary) serviu como pastor em igrejas locais por mais de 25 anos. Também formado em psicologia com mestrado em educação cristã, Daniel foi diretor acadêmico do Seminário Bíblico Palavra da Vida (SBPV) por cinco anos. É autor, preletor e tem exercido um ministério na formação e mentoreamento de pastores. Casado com Ana Paula há mais de 30 anos, tem quatro filhos, dois netos e vive no Rio Grande do Sul desde 1995. Ele estará presente no 26º Congresso Internacional Sobre a Palavra Profética, organizado pela Chamada.

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