Normas da Casa: Parte 1 – Comunicação Direta

A comunicação direta em caso de conflitos é um princípio bíblico. Quais normas a Escritura estabelece para que esse princípio se concretize?

Em nossa família, na hora da refeição, costumamos orar de mãos dadas. Não é uma prática mais espiritual ou piedosa. Na verdade, começou quando observamos que era muito prático segurarmos as mãos de nossos filhos menores ao fecharmos os olhos para orar à mesa. No entanto, aquilo que começou como uma prática bastante utilitária, se tornou um gesto de carinho e devoção para nós. Tornou-se uma norma da casa.

Uma norma nesse sentido não é uma lei, ou uma regra imutável, é apenas algo que combinamos fazer que representa ou ilustra um princípio. Para nós, ao darmos as mãos para orar, estamos representando um desejo e um compromisso por unidade diante de Deus. Famílias podem ter o mesmo compromisso sem jamais orar de mãos dadas. Essa nossa norma não prova uma espiritualidade maior, apenas representa um princípio. Em outras palavras, nosso compromisso de unidade não existe porque damos as mãos para orar, é o contrário: damos as mãos para orar porque temos um compromisso de unidade.

Toda família precisa de normas que representem seus princípios. Pode ser esse descrito acima, pode ser o compromisso de fazer juntos alguma refeição. Anos atrás, conheci uma família onde após o jantar pais e filhos cantavam juntos algum cântico cristão. O importante é que encontremos alguma representação dos princípios que queremos cultivar. O perigo é quando confundimos a representação com o princípio em nossos lares. Quando uma demonstração deixa de comunicar um princípio, ela se tornou um dogma, e nenhuma norma deveria se tornar um dogma.

Existem muitos princípios que deveriam ser expressos em normas em nossas famílias e igrejas. Hoje gostaria de falar de um deles, que é a comunicação direta. Em Mateus 18.15-20, lemos que Jesus nos ensina sobre esse princípio com as seguintes palavras: “Se o seu irmão pecar contra você, vá e, a sós com ele, mostre-lhe o erro. Se ele o ouvir, você ganhou o seu irmão”. Antes mesmo de examinar esse versículo, é fundamental reparar que o contexto dessa passagem não é punição, mas resgate. A parábola anterior é sobre a ovelha perdida (Mateus 18.10-14), e a posterior é sobre o devedor que não perdoa (Mateus 18.21-35). Ambas as parábolas apontam diretamente para a realidade do perdão. O propósito da comunicação direta não é obter justiça, mas “ganhar o irmão”!

É importante destacar aqui, dentro do princípio da comunicação direta, a norma da iniciativa. Quem se sentiu ofendido busca o ofensor.

No versículo 15, Jesus exorta aqueles que entendem que foram ofendidos ou prejudicados a buscarem aquele que veem como o ofensor: “Se o seu irmão pecar contra ti, vá…”. É importante destacar aqui, dentro do princípio da comunicação direta, a norma da iniciativa. Quem se sentiu ofendido busca o ofensor. Na cultura brasileira, temos a tendência de preservar a honra e evitar a vergonha, tanto para nós como para os outros. Assim, o mais comum em conflitos em igrejas ou famílias é que o ofendido se afaste, se isole e fique sofrendo em silêncio, na expectativa de que o ofensor perceba e venha pedir perdão. Com o tempo, quando isso não acontece, o ofendido passa a se comportar com hostilidade disfarçada ou aberta para com o ofensor. Essa atitude torna o conflito pior, pois agora o ofensor passa a também se sentir ofendido.

Ainda no mesmo versículo, Jesus destaca o que poderíamos chamar da norma da privacidade: “A sós com ele”. Como vimos acima, ao não buscar o ofensor, aquele que se sente ofendido não encontra resolução. Quando se dá conta de que o ofensor não vai buscá-lo, o mais comum é que sua frustração comece a se manifestar com outras pessoas. Muitas vezes acompanhei divergências que poderiam ter sido tratadas com objetividade e rapidez se tornarem conflitos que se arrastam por anos e acabam por incluir várias outras pessoas que não estavam originalmente envolvidas no evento. A norma da privacidade significa que o ofendido deve tratar sua queixa primeiramente a sós com a pessoa que o ofendeu. Se, por alguma circunstância, isso não é possível ou adequado, o ofendido deve buscar algum líder ou pessoa com autoridade espiritual para acompanhá-lo, mas o ofendido ainda deve falar com o ofensor.

A norma da privacidade significa que o ofendido deve tratar sua queixa primeiramente a sós com a pessoa que o ofendeu.

A terceira norma trata da objetividade da queixa. Nas palavras de Jesus: “Mostre-lhe o erro”. Tenho visto muitas confrontações que se tornam becos sem saída, pois quem apresenta a queixa apenas manifesta sentimentos feridos. Algo como: “O que você falou me ofendeu, ou me magoou”. Ou então se torna um ataque ao caráter do ofensor: “Você é muito orgulhoso, ou rude”. Muito embora seja importante manifestar sua dor, é fundamental trazer à tona o erro daquele que pecou contra você com objetividade. Se o ofendido não consegue identificar o erro, mas fica apenas em sua dor, pode haver duas razões: (1) o queixoso se ofendeu sem que o outro tenha pecado. Ele ou ela apenas manifestou uma opinião ou tomou uma decisão que, aos olhos do ofendido, parece ofensiva. Nesse caso, ele ou ela deve refletir sobre o que o ofendeu e avaliar se o problema não está em expectativas irreais. (2) Houve erro, mas ainda não está claro para o ofendido qual foi o erro. Nesse caso, o ofendido será incapaz de “mostr[ar] o erro” ao seu irmão. Ele ou ela precisa investir um tempo maior e pedir a Deus que revele o erro do irmão com clareza para que possa mostrar-lhe esse erro.

Normas são acordos “reguladores” das relações em família, na igreja ou em qualquer outra relação mais comprometida. Normas devem refletir princípios. O que vimos acima é só um exemplo de como um princípio pode e deve ser traduzido em normas. Minha oração é que eu e você comecemos a desenvolver normas que possam manifestar em todas as nossas relações o suave aroma de Cristo!

Autor

  • Daniel Lima

    Daniel Lima (D.Min., Fuller Theological Seminary) serviu como pastor em igrejas locais por mais de 25 anos. Também formado em psicologia com mestrado em educação cristã, Daniel foi diretor acadêmico do Seminário Bíblico Palavra da Vida (SBPV) por cinco anos. É autor, preletor e tem exercido um ministério na formação e mentoreamento de pastores. Casado com Ana Paula há mais de 30 anos, tem quatro filhos, dois netos e vive no Rio Grande do Sul desde 1995. Ele estará presente no 26º Congresso Internacional Sobre a Palavra Profética, organizado pela Chamada.

Artigos relacionados