Quando a Morte é Cara

A morte nunca é algo fácil. No entanto, podemos ficar dessensibilizados a ela. Como a morte dos cristãos afeta o coração de Deus?

Estou em uma idade em que amigos e parentes estão partindo desta vida. No prazo de dois anos, perdi uma cunhada muito querida, minha mãe e meu pai, e tenho assistido vários conhecidos lidando com a morte e com o luto. Naturalmente, eu me volto para a Bíblia. Nela encontro as preciosas promessas de que aqueles que estão em Cristo, mesmo que morram, viverão (Romanos 6.8; 1Coríntios 15, entre outros). No entanto, esses dias retomei uma passagem de difícil interpretação. Trata-se de Salmos 116.15: “Preciosa aos olhos do Senhor é a morte dos que lhe são fiéis”.

Ao ler de uma forma mais superficial, eu fico um tanto chocado. O sentido aparente é que Deus gosta da morte dos fiéis. Por um lado, posso entender que o fim desta vida significa, para o cristão, que a plenitude da vida eterna com Deus está se iniciando. Isso, por si só, é motivo de alegria – ainda assim, a ideia de que Deus se alegra ou tem como preciosa a morte dos fiéis parece contraditória.

Ainda mais contraditória me parece essa interpretação devido ao fato de que o salmo 116, de modo geral atribuído a Davi, relata sua gratidão pela proteção de Deus quando estava ameaçado de morte. Ainda que Davi pudesse agradecer pelas promessas de uma vida eterna, nesse salmo ele está agradecendo por ter sua vida poupada!

A palavra hebraica traduzida como preciosa é yaqar. Esta palavra, embora tenha o sentido de preciosa, também pode ser traduzida como valiosa, custosa, cara, importante. Diante desse simples fato e do fato de que o salmo é um agradecimento por não ter morrido, me parece que a melhor tradução seria que a morte dos fiéis é importante para o Senhor, não é algo banal ou sem importância. Gosto muito da tradução da NVT (“O Senhor se importa profundamente com a morte de seus fiéis”).

A melhor tradução seria que a morte dos fiéis é importante para o Senhor, não é algo banal ou sem importância.

De uma forma muito clara, cremos que Deus nos criou para viver eternamente. Não fomos criados para a morte. Esta foi o resultado da queda, conforme descrita em Gênesis 2.16-17:

“E o Senhor Deus ordenou ao homem: ‘Coma livremente de qualquer árvore do jardim. Mas não coma da árvore do conhecimento do bem e do mal, porque, no dia em comer dela, certamente você morrerá.”

A promessa da morte não foi algo retórico ou força de expressão. A partir de nossa ruptura com Deus, estamos agora debaixo da morte. Não só morremos espiritualmente, mas nossos corpos estão em constante processo de morrer. Em um sentido teológico, isso é natural. Se Deus é a própria vida (Colossenses 1.17), ao nos desligarmos dele, nos desligamos da própria essência da vida. Nesse sentido, Deus vê com pesar ou com atenção a morte daqueles que são chamados seus filhos.

Isso é um contraste diante de nossa reação, já anestesiada pelo excesso de imagens e informações sobre morte. Nestes últimos dois anos, temos ouvido muito sobre os milhares de mortos em Gaza. Ainda esta semana, no desenrolar dos acordos de cessar fogo, a entidade terrorista Hamas deve devolver os corpos de Shiri Bibas e seus dois filhos, Kfir, de cinco anos, e Ariel, de dois anos. Nossa tendência é banalizar essas mortes. Ficamos chocados, tristes, irados, mas dificilmente vamos mudar nossa rotina diária por elas. A passagem de salmo 116.15 aponta para o fato de que, para Deus, a morte de seus filhos não é uma notícia a mais nas redes sociais. Ainda que não possamos afirmar que Deus sofre com a morte dos seus fiéis, podemos, para efeitos de compreensão, afirmar que essas mortes são “pesadas” para Deus.

Ainda que não possamos afirmar que Deus sofre com a morte dos seus fiéis, podemos, para efeitos de compreensão, afirmar que essas mortes são “pesadas” para Deus.

É importante lembrar que o fato de serem importantes e “pesadas” para Deus não se deve a frustração ou por ele ter seus planos interrompidos. Esta é nossa perspectiva. Assistimos a morte de alguém mais jovem e afirmamos: “Tinha tanta vida pela frente…”. Para Deus, seus filhos têm a eternidade pela frente. Na verdade, como afirma Paulo em Romanos 7.24-25: “Quem me libertará deste corpo sujeito à morte? Graças a Deus por Jesus Cristo, o nosso Senhor!”. 

Diante da morte daqueles que amam a Deus, oro para que meu coração, bem como o daqueles mais próximos, seja consolado, não só pela perspectiva da vida eterna, mas também por saber que nosso Deus não foi “pego de surpresa”, nem tampouco deixou que isso passasse desapercebido.

Autor

  • Daniel Lima (D.Min., Fuller Theological Seminary) serviu como pastor em igrejas locais por mais de 25 anos. Também formado em psicologia com mestrado em educação cristã, Daniel foi diretor acadêmico do Seminário Bíblico Palavra da Vida (SBPV) por cinco anos. É autor, preletor e tem exercido um ministério na formação e mentoreamento de pastores. Casado com Ana Paula há mais de 30 anos, tem quatro filhos, dois netos e vive no Rio Grande do Sul desde 1995. Ele estará presente no 26º Congresso Internacional Sobre a Palavra Profética, organizado pela Chamada.

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